Namoro e União Estável

Namoro e União Estável - Delimitação dos Conceitos e Requisitos para o Reconhecimento de Entidade Familiar   
      
Euclides de Oliveira *
Advogado; Doutor em Direito;
Presidente do IBDFAM/SP.
  
      
    Tribunal de Justiça de Minas Gerais   
Direito de Família. Reconhecimento de União Estável. Impossibilidade. Relacionamento Afetivo que se Caracteriza como Namoro. Ausência de Objetivo de Constituição de Família. Recurso não Provido
  
Não é qualquer relacionamento amoroso que se caracteriza em união estável, sob pena de banalização e desvirtuamento de um importante instituto jurídico. Se a união estável se difere do casamento civil, em razão da informalidade, a união estável vai diferir do namoro, pelo fato de aquele relacionamento afetivo visar a constituição de família. Assim, um relacionamento afetivo, ainda que público, contínuo e duradouro, não será união estável, caso não tenha o objetivo de constituir família. Será apenas e tão apenas um namoro. Este traço distintivo é fundamental, dado ao fato de que as formas modernas de relacionamento afetivo envolvem convivência pública, contínua, às vezes duradoura, com os parceiros, muitas vezes, dormindo juntos, mas com projetos paralelos de vida, em que cada uma das partes não abre mão de sua individualidade e liberdade pelo outro. O que há é um eu e um outro e não um nós. Não há nesse tipo de relacionamento qualquer objetivo de constituir família, pois para haver família, o eu cede espaço para o nós. Os projetos pessoais caminham em prol do benefício da união. Os vínculos são mais sólidos, não se limitando a uma questão afetiva ou sexual ou financeira.  O que há é um projeto de vida em comum, em que cada um dos parceiros age pensando no proveito da relação. Pode até não dar certo, mas não por falta de vontade. Os namoros, a princípio, não têm isso. Podem até evoluir para uma união estável ou casamento civil, mas, muitas vezes, se estagnam, não passando de um mero relacionamento pessoal, fundados em outros interesses, como sexual, afetivo, pessoal e financeiro. Um supre a carência e o desejo do outro. Na linguagem dos jovens, os parceiros se curtem.
(TJMG; APCV 1.0145.05.280647-1/001; 5ª C.Cív.; Relª Desª Maria Elza; DJEMG 21/01/2009)
  
  

      
Acórdão   
(Segredo de justiça)

Vistos etc., acorda, em Turma, a 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em negar provimento.
Belo Horizonte, 18 de dezembro de 2008.
Desembargadora Maria Elza - Relatora
      
    NOTAS TAQUIGRÁFICAS   
Proferiu sustentação oral, pelo Apelado, o Dr. Rubens Riet Corrêa.
A Sra. Desembargadora Maria Elza:  
    VOTO   
Cuida-se de recurso de apelação cível interposto por S.D.D.P. contra sentença proferida pelo Juízo da 4ª Vara de Família da Comarca de Juiz de Fora que, nos autos de uma ação de reconhecimento de união estável ajuizada pela recorrente em face de E.M.F., ora recorrido, julgou improcedente o pedido inicial, sob o fundamento de que não restaram caracterizados os requisitos da união estável.
Em razões recursais de f. 291/297 - TJ, a apelante alega que a decisão recorrida contraria o conjunto probatório, que confirmou a ocorrência de união estável. Pede seja provido o recurso.
  
  
Em resposta ao recurso, a parte apelada pugna, à f. 299/302 - TJ, pelo não-provimento do recurso. Manifestação da Procuradoria de Justiça à f. 312/314 - TJ, afirmando a desnecessidade de emissão de parecer.
É o relato. Decido. Conheço do recurso, pois presentes os requisitos legais.
Não é qualquer relacionamento amoroso que se caracteriza em união estável, sob pena de banalização e desvirtuamento de um importante instituto jurídico. Se a união estável se difere do casamento civil, em razão da informalidade, a união estável vai diferir do namoro, pelo fato de aquele relacionamento afetivo visar a constituição de família. É o que extraio do art. 1.723 do Código Civil: "É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objeto de constituição de família". Assim, um relacionamento afetivo, ainda que público, contínuo e duradouro não será união estável, caso não tenha o objetivo de constituir família. Será apenas e tão apenas um namoro. Este traço distintivo é fundamental, dado ao fato de que as formas modernas de relacionamento afetivo envolvem convivência pública, contínua, às vezes duradoura, com os parceiros, muitas vezes, dormindo juntos, mas com projetos paralelos de vida, em que cada uma das partes não abre mão de sua individualidade e liberdade pelo outro. O que há é um eu e um outro e não um nós. Não há nesse tipo de relacionamento qualquer objetivo de constituir família, pois para haver família, o eu cede espaço para o nós. Os projetos pessoais caminham em prol do benefício da união. Os vínculos são mais sólidos, não se limitando a uma questão afetiva ou sexual ou financeira. O que há é um projeto de vida em comum, em que cada um dos parceiros age pensando no proveito da relação. Pode até não dar certo, mas não por falta de vontade. Os namoros, a princípio, não têm isso. Podem até evoluir para uma união estável ou casamento civil, mas, muitas vezes, se estagnam, não passando de um mero relacionamento pessoal, fundados em outros interesses, como sexual, afetivo, pessoal e financeiro. Um supre a carência e o desejo do outro. Na linguagem dos jovens, os parceiros se curtem.
No caso dos autos, o relacionamento da apelante e do apelado, apesar de duradouro, público e contínuo, jamais configurou uma união estável, pois não houve objetivo de constituição de família. Os interesses que os mantiveram unidos foram pessoais e individuais. Não houve cumplicidade, solidariedade e projeto de vida em comum. O vínculo não se convergiu em proveito do nós, mas do eu. A apelante buscava paixão, sexo e dinheiro. Já o apelado, sexo e companhia. As carências e os desejos de cada um fizeram do relacionamento deles um mero caso, que, mesmo com o passar dos anos, jamais evoluiu para um projeto de vida familiar, que pudesse evidenciar uma união estável.
  
  

As conclusões acima são confirmadas pelas confissões que a apelante fez ao apelado em uma carta, cujo conteúdo revela o seguinte: "Marido viajando, conversas românticas ao telefone e o stresse vai chagando junto. Você já começa a não se sentir bem num triângulo amoroso e qualquer motivo bem subconsciente vai armazenando para causar afastamento do parceiro. Os filhos começam a perceber, os amigos começam a questionar (...) a família também percebe q está diferente o casal (...) K. o conheceu (...) ela tinha medo que eu abandonasse o pai por você. Ela nunca foi boba, sabia que era algo mais além de sermos amigos. (...) Sendo filho de papai, podendo desfrutar de todo o bem que o dinheiro tem lhe proporcionado, você afetivamente, sexualmente, só pensou em mim? Na verdade eu nunca me preocupava com isso (...) passava-se o tempo (...) então você quer tomar decisões e toma, mas esquece que no presente tudo é presente, são flores. Esquece de acordar do sonho e planejar junto c/ o amante, como será o amanhã. (...) Você, que nunca teve tendência ao casamento, viver, dormir, conviver com família de esposa, o dia a dia, de 2ª a domingo de jan. a dez., com a mesma mulher, vendo um do lado do outro envelhecer, adoecer, enfeiar, não é bom. Deve ser difícil, pra você mesmo... Mas por que nos iludimos tanto? Por que me iludi, tanto com você? Ninguém tem obrigação de viver, assumir o outro, então não deveria colocar expectativas, promessas no relacionamento. Penso que todo princípio é respeitado quando um dos parceiros coloca: não me caso, não assumo ninguém, só fico, não se iluda comigo. Se está me amando, me desame. Sou livre e sempre o serei. Bem, então em 20/02/2001 me separei, tive minha carta de alforria. A casa minha, as despesas minha, nada de encontros furtivos. Podíamos a partir daí, programar nossos passeios, visitas, datas encontros familiares, etc, até casar, digo, viver junto. Pra que estudar, trabalhar mais (...) mas a ilusão é passageira. A realidade chegou. Agora, pra que falar em futuro? Mas o futuro chega, perco meu emprego (...) o dinheiro começa a encurtar. As despesas aumentam. Antes dois, agora um. (...) Hoje você me diz, você foi uma das poucas que fiquei mais. Claro: morando longe, não dependia de você nem pra ir shows, nem cinema (...) parei de trabalhar em final de maio e você me deu o 1º cheque (...) até minha plástica de busto foi dividida, mesmo eu sendo só sua mulher. (...) Que Deus grego é este que consegui me fascinar tanto?!! Eu trocando tudo por coisas tão subjetivas, jogando tudo a perder por uma pessoa tão distante da minha realidade. Você solteiro, vida feita, despreocupado e eu na luta por algo, com que garantia? Tudo subjetivo. (...) Você era meu ídolo (...) quando começamos a sair mais, eu já percebia, enxergava (...) você ciscava pra mulheres, principalmente com filhas (...) é feio não é? (...) Hoje E., depois de 13 anos (...) eu concluo: sem você, sem um filho seu, sem carro novo, quase sem casa boa pra morar com o que ganho, sem minha plástica abdominal (...) vendo minha família desconstruída. Se não fosse sua mesada já estaria rebaixada de residência; estou submetendo a subemprego, o tombo foi tão grande quanto ao sonho, isso me dá agonia, muita agonia. (...) E o julgamento dos outros nos incomoda quem são sabe do nosso comprometimento de 11 anos, porque pra todo mundo E., você existe de 2002 pra cá, dez anos namorando mulher de outro, ninguém sabe ou imaginava. (...) Não me arrependo da oportunidade que tive em lhe conhecer, de conviver, de participar de 1 pouquinho só, do seu interior, pois você não se dá por inteiro. Se tivesse que fazer de novo, o faria, mas faria diferente, contando tudo, jogando claro desde o princípio. (...) Só Deus, há de me dar uma luz no findo do poço pra recuperar minha dignidade vendida por tão pouco" [sic].
  
Ressalto que só a prova documental acima seria o bastante para descaracterizar a existência de união estável, contudo, a prova testemunhal reforça tal conclusão. As testemunhas arroladas pela apelante, em sua maioria, falaram de ouvir dizer o que a recorrente lhes revelou. Assim, de nenhuma valia o depoimento delas para caracterizar união estável. Há, porém, um depoimento de M.P., à f. 165 - TJ, que, como empregada doméstica na casa da recorrente, revelou que, nos cinco anos em que trabalhou para a apelante, nunca viu o apelado na casa da recorrente; que nunca soube que a apelante tivesse convivência marital com algum homem, nunca tendo encontrado nenhuma roupa de homem na residência da autora.
Ora, considerando que os depoimentos testemunhais não comprovam a união estável entre as partes, que o ônus da prova é da autora, nos termos do art. 333, I, do CPC, e que não há outro elemento nos autos a comprovar os requisitos da união estável, o pedido deve ser julgado improcedente.
Pelo exposto, nego provimento ao recurso.
      
    COMENTÁRIOS       
    I - O Namoro Constitui Importante Passo na Escalada do Afeto   
      
1. Bem se distinguem, no acórdão sob vista, os elementos diferenciadores entre o simples namoro, relacionamento afetivo entre duas pessoas que se amam, e o passo maior, da união estável, convivência de maior comprometimento na formação de uma família digna de proteção jurídica do Estado.
O histórico do caso evidencia que, apesar do tempo de relacionamento afetivo, as partes conservaram vidas paralelas e não chegaram a firmar entre si uma união duradoura. Bem se anotou na fundamentação do julgado, com muita sensibilidade, que o par amoroso continuou preservando as respectivas individualidades, como "um eu e um outro", sem a constituição do "nós", elo participativo que caracteriza o ente familiar.
  
  
Ora, sem efetiva convivência a dois e com a instabilidade que caracteriza a relação entre pessoas enamoradas, longe está de consumar-se uma entidade familiar protegida pela Constituição e pelas leis do país.

2. União estável é ponto relevante no ápice do relacionamento amoroso. Constitui forma alternativa de criar uma família, base da sociedade, em que repousa a segurança do Estado.
Com ela não se confunde o mero e esporádico relacionamento amoroso de caráter instável, interruptivo e sem exclusividade, mais ainda quando falte o comprometimento para o futuro.
Cabe ressaltar que o approach inicial de busca aproximativa entre duas pessoas constitui o primeiro passo de uma verdadeira escalada do afeto humano. Pode ter início ao som de um bolero romântico ou de uma ressonante balada, conforme se lembre o antigo galanteio do flirt ou o contemporâneo test drive do amor que se consuma do ato do "ficar", toque ligeiro e afogueado com nuances de experimento ao embalo da "química das peles".
No admirável desenrolar do manejo afetivo, os laços da convivência estreitam-se e dão asas ao seu florescimento para ingresso do par no sério rol da convivência de estilo familiar. Então surge a união estável como uma possível consequência nessa jornada romântica e de mútua felicidade, ou de igual forma desponta o solene casamento com timbres de papel passado, a merecer reconhecimento oficial e respeito comunitário 1.
Como definir, em casos concretos, cada uma das formas de convivência humana para fins de proteção jurídica do Estado? É papel da doutrina e da jurisprudência, por aplicação da norma positiva ou suprindo suas lacunas, dar resposta a essa indagação relevante, crucial e inarredável.
      
    II - Namoro Não se Confunde com União Estável, Porque Esta Tem Requisitos Próprios para Constituição de Entidade Familiar   
  
3. Bem se sabe que a garantia constitucional de proteção do Estado é extensiva à entidade familiar formada pela união estável entre homem e mulher (art. 226, § 3º, da CF/88).
  
  
Deu-se a ampliação do conceito de família para abarcar outras situações de união além da que se verifica pelos laços oficiais do casamento, como também se admite daquele gênero a comunidade formada por qualquer dos ascendentes e seus descendentes.
  
4. A regulamentação da união estável adveio, primeiramente, com a Lei nº 8.971/94, depois substituída pela Lei nº 9.278/96, que, em seu art. 1º, define como entidade familiar "a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e de uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família".
  
5. Com o novo Código Civil, Lei nº 10.406/02, em vigor desde 11 de janeiro de 2003, a disciplina da matéria passou a constar de seus arts. 1.723 a 1.727.
Reza o art. 1.723 do novo ordenamento:
"É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família."
6. Daí se extraem os requisitos básicos para configuração da união estável:
a) Convivência, que pressupõe vida em comum, sem o que não se caracteriza uma efetiva união familiar.
Como regra, dá-se a convivência pelo compartilhamento dos leitos, na residência comum, mas essa não é uma regra obrigatória. O Código Civil, ao descrever os deveres dos companheiros, não menciona o dever de coabitação, ou vida em comum no mesmo domicílio, que constitui um dos deveres básicos dos casados, o que significa possibilidade de qualquer dos companheiros decidir sobre a saída do lar, a qualquer tempo, uma vez que não está obrigado à permanência.
Em situações excepcionais e justificadas, admite-se a união estável de pessoas que não ocupem o mesmo teto (como enunciado na Súmula nº 382 do Supremo Tribunal Federal, para caracterização do concubinato), desde que, não obstante esse distanciamento físico, subsista a convivência de cunho familiar, duradoura, contínua e pública, como definido na lei.
Conviver (cum vivere), é o mesmo que viver em companhia de alguém (daí a figura do "companheiro"), ou seja, o que compartilha do mesmo pão (cum panis), servido na mesa comum. Em maior extensão, compreende-se a convivência como situação de uso da mesma cama e mesa, em vista da coabitação que lhe é imanente.
  
  
No caso em exame, não ocorreu a vida em comum das partes nos moldes preconizados na lei. Cada qual mantinha vida e interesses próprios, limitando-se a manter encontros amorosos sem a conotação de vivência familiar.
b) Duração da convivência, a deduzir estabilidade da relação, com subsistência por tempo razoável, que seja suficiente para caracterizar o intuitu familiae.
Embora sem a previsão do prazo mínimo de cinco anos, que constava da revogada Lei nº 8.971/94 e foi abandonada pela Lei nº 9.278/96, o Código exige que a união se estabilize por certa duração temporal, para evitar que se confunda com relacionamentos passageiros ou eventuais.
c) Unicidade de vínculo, tendo em vista o caráter monogâmico da relação, por isso mesmo não se admitindo, por expresso impedimento legal, união estável de pessoa casada (salvo se separada judicialmente ou de fato).
Pela mesma razão, não se reconhecem as uniões tisnadas por relacionamentos paralelos, desleais, com possível ligação amorosa com terceiros.
Em situações de múltiplos e simultâneos vínculos afetivos, uma união pode prejudicar a outra, por descaracterização da estabilidade e quebra dos deveres legais de lealdade, respeito e consideração (art. 1.724 do CC).

d) Publicidade da união, por inerente a uma vivência dentro do contexto familiar e social, para que seja conhecida como tal pelo ambiente frequentado pelas partes.
Não basta o mero encontro a sós ou em locais isolados. É preciso muito mais, ou seja, que as pessoas do meio social circundante reconheçam a união como entidade familiar à moda conjugal.

e) Continuidade da convivência, ou seja, sem interrupções que lhe retirem a característica da permanência.
O vai e vem de encontros e desencontros denota instabilidade da união, a ser aferida, caso a caso, na pendência do tempo e das condições em que tenha ocorrido a temporária separação dos conviventes. A desestabilizada relação afetiva, ainda que prolongada no tempo, desfigura-se pelas quebras episódicas de vivência, por isso interrompida, descontinuada, instável.
  
f) Propósito de constituir família, este o requisito subjetivo, anímico, intencional, conforme frisado na definição de união estável pelo art. 1.723 do Código Civil e bem ressaltado no acórdão em comento.
Exterioriza-se por uma série de fatores, como a mantença de vida em comum à moda de casados, comportamento social revelador daquele intuito, situação de dependência de um dos companheiros, colaboração nas empreitadas de interesse comum, existência de filhos dessa união etc.
  
  
Não se enquadra no modelo a convivência para outros fins, ainda que nobilitantes e frutuosos, mas sem a mira de constituir quadro familiar.
      
    III - Visão Doutrinária e Jurisprudencial   
      
7. A doutrina pátria, sobre os contornos jurídicos da vida em comum extramatrimonial, principiou com as memoráveis lições de Edgard de Moura Bittencourt (Concubinato, 2. ed., São Paulo, Leud, 1980). Teve sequência com magistério de Álvaro Villaça Azevedo (Do concubinato ao casamento de fato, Cejup, 1986; Estatuto da família de fato, 2. ed., São Paulo, Atlas, 2002) e de outros notáveis juristas, com a distinção do concubinato, que era mal visto na lei civil, para o reconhecimento do modelo de união estável que acabou por merecer trato constitucional e legal.
  
8. Depois de anotar que a lei exige, como fator demonstrativo da estabilidade da união, que a convivência seja pública, contínua e duradoura, assinala Álvaro Villaça Azevedo que "realmente, como um fato social, a união estável é tão exposta ao público como o casamento, em que os companheiros são conhecidos no local em que vivem, nos meios sociais, principalmente de sua comunidade, pelos fornecedores de produtos e serviços, apresentando-se, enfim, como se casados fossem".
De forma pitoresca, lembra Villaça que "diz o povo, em sua linguagem autêntica, que só falta aos companheiros o 'papel passado'".
E ajunta, com precisão, que "essa convivência, como no casamento, existe com continuidade; os companheiros não só se visitam, mas vivem juntos, participam um da vida do outro, sem tempo marcado para se separarem" 2.
  
9. O caráter continuado da relação atesta sua solidez, pela permanência no tempo. Descontinuidade, por interrupções da vida em comum, significa instabilidade. É o que demonstra o magistrado e professor Guilherme Calmon Nogueira da Gama, ao dizer que o relacionamento descontinuado evidencia "relações imaturas, instáveis, não construídas em terreno sedimentado", acarretando, ainda, "uma completa insegurança jurídica na sociedade no concernente às relações jurídicas mantidas entre os companheiros, e entre estes e terceiros", sabido que "a caracterização do companheirismo não interessa apenas aos partícipes da relação, mas também a todos aqueles que direta ou indiretamente mantenham contato com os companheiros" 3.
  

10. De outra parte, não se configurando o declarado propósito de constituir família, por falta da affectio societatis nas relações de convivência esporádica, como observado no caso em foco, tem-se a subsistência de mero namoro prolongado ou mesmo de uma "relação aberta", em que os parceiros mantêm vida e interesses próprios, não atingidos pela eventualidade dos encontros amorosos. Resta-lhes tão só o papel romântico do aconchego afetivo, na figura de amantes com todo o respeito, mas sem o adorno daquele requisito a mais para constituição de uma união tipicamente familiar.
Trata-se, com efeito, de elemento essencial à configuração de união estável digna de proteção legal, o objetivo de constituição de família, característico da denominada affectio maritalis, aliança definidora da relação consolidada.
  
11. Dessa forma entendeu o Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ressaltando que o ânimo de constituir família é essencial à comprovação da união estável:
"UNIÃO ESTÁVEL. ENTIDADE FAMILIAR. PROVA AFFECTIO MARITALIS. (...) Fica demonstrada a união estável quando o casal mantém prolongada vida em comum com ânimo de constituir família, havendo prova segura do relacionamento marital, em tudo assemelhando-se ao casamento, marcado por uma comunhão de vida e de interesses." 4 (grifos nossos)

12. Em outro julgado, o mesmo Tribunal entendeu que a "coabitação constitui traço marcante para identificar um ninho de afetos e interesses, conjugados sob o mesmo teto, território onde se desenvolve a partilha diária de esforços, negócios, companhia, cumplicidade, integração de planos e sonhos. Ausente, é preciso que se preencham outros predicados convincentes de uma comunhão de vida intencionada à constituição de uma família, o que também não induz uma relação longa" 5.
  
13. Interessante caso diz com a falta de prova concreta acerca da existência da alegada união estável, por isso que mantido o decreto de improcedência da demanda em que a apelante pretendia a partilha de bens havidos em dois anos e meio de suposta convivência 6.
Salientou-se no julgado, acolhendo parecer do Ministério Público, que em nenhum momento se comprovou a data do início e do término do relacionamento amoroso que a mulher diz ter mantido com o sedizente companheiro, e tampouco ela apresentou prova efetiva de ter mantido convivência pública capaz de configurar união estável, tudo levando a concluir pela descaracterização, na espécie, da figura prevista no art. 1.723 do Código Civil.
  
  
14. Vale reproduzir a invocação feita no aresto, de boa messe de julgados em casos símiles:
"UNIÃO ESTÁVEL. REQUISITOS. CARACTERIZAÇÃO. Somente os vínculos afetivos que geram entrelaçamentos de vidas podem ser reconhecidos como entidade familiar e ingressar no mundo jurídico, possibilitando a extração de efeitos no âmbito do direito. A prova produzida não demonstra a existência de união estável, comprometimento mútuo ou projetos comuns de vida, sendo da parte autora o ônus de demonstrar os fatos constitutivos do direito alegado, conforme dispõe o art. 333, inciso I, do CPC. Negado provimento ao apelo." 7
"FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. Reconhecimento e dissolução de união estável, cumulada com partilha de bens e alimentos. Situação retratada que não se caracteriza como de união estável, reconhecida como entidade familiar, nos termos do que dispõe a Lei nº 9.278/96 (art. 1º), reproduzido no art. 1.723 do CCB/02. Ausência de prova para determinar um juízo de convencimento de que efetivamente houve uma união estável entre os conviventes, com os requisitos do affectio maritalis. Convivente casado por um período, impedimento à constituição da união estável." 8
"UNIÃO ESTÁVEL. RECONHECIMENTO. PARTILHA DE BENS. ÔNUS DA PROVA. 1. Somente a convivência duradoura, pública e notória com ânimo de constituir família é que agasalha o reconhecimento de união estável e enseja a presunção de colaboração do par para a consecução do resultado patrimonial. 2. Impõe-se a improcedência da demanda quando a prova coligida está a demonstrar que efetivamente houve relacionamento amoroso entre o casal litigante, conquanto que em período não definido, mas do qual não resultou comprometimento das partes em constituir família nem ensejou qualquer sequela patrimonial. 3. Cumpria à autora comprovar a existência do relacionamento estável. Inteligência do art. 333, inciso I, do CPC. Recurso desprovido." 9
      
    IV - Conclusão   
      
15. Na mesma linha poderiam ser lembrados precedentes de outros Tribunais, bem como a remansosa doutrina pátria, com firme distinção entre os passos evolutivos da ascendência no relacionamento afetivo, até chegar ao ponto maduro da união estável como entidade familiar.
  
  
Estão assim demonstrados, com largueza e profusão, os posicionamentos jurídicos que o tema comporta, levando à incontornável conclusão de que, no caso em exame, faltou e muito um quadro caracterizador de uma família regularmente constituída sob a égide da união estável, porque havia entre as partes tão-somente um vínculo de namoro que não chegou ao pleno florescimento.
   

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