O que Fazer com o Condômino Antissocial que Não Muda o Comportamento Nocivo, Apesar das Multas Aplicadas?
Ênio Santarelli Zuliani
Desembargador da 4ª Câmara de Direito Privado
do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
RESUMO: O prédio é como se fosse uma casa habitada por diversos proprietários e, se não há regras regulamentando o convívio, a desordem avança e caminha rumo à ilicitude descontrolada. O Código Civil estabelece sanções para os infratores e esse capítulo está destinado ao condômino que persiste em manter comportamento antissocial em virtude do disposto no art. 1.337, parágrafo único. Comportamento antissocial constitui conceito vago a ser preenchido com as referências atuais da sociedade.
O condomínio é um organismo social e depende do funcionamento de sua estrutura para cumprir sua missão institucional. As decisões são votadas e respeita-se a deliberação imposta pela maioria. As assembleias são públicas, e o síndico se encarrega de fazer cumprir a convenção, inclusive penalizando os infratores, o que ocorre com procedimento justo, garantida a ampla defesa (art. 5º, LV, da CF). Caso ocorra falha do sistema, está comprometido o projeto de socialização das pessoas que estão conectadas pelo direito real de propriedade comum, o que é um desastre em termos de qualidade de vida dos proprietários. Seria prazeroso escrever que a convenção representa mera formalidade diante da ética generalizada, o que, lastimavelmente, constitui uma utopia, devido aos agentes tendenciosos e sem escrúpulos que se instalam nos condomínios. Um elemento desagregador é o suficiente para criar o caos que gera instabilidade jurídica e emocional, sendo preciso rigor na fiscalização e repressão do vandalismo, dos atos obscenos, dos crimes contra os costumes e dos atos que afrontem os estatutos, lesando os direitos dos demais condôminos. O prédio é como se fosse uma casa habitada por diversos proprietários e, se não há regras regulamentando o convívio, a desordem avança e caminha rumo à ilicitude descontrolada.
O Código Civil estabelece sanções para os infratores e esse capítulo está destinado ao condômino que persiste em manter comportamento antissocial em virtude do disposto no art. 1.337, parágrafo único: "O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento antissocial, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembléia".
Comportamento antissocial constitui conceito vago a ser preenchido com as referências atuais da sociedade. As vestes das moças de hoje não são iguais às que vestiam as mulheres do começo do século passado e não serão consideradas indecentes porque encurtaram ou tenham decotes considerados excessivamente generosos pelos mais conservadores. Um casal que se despede, na saída do elevador, com um beijo apaixonado, não merece advertência. Contudo, um rapaz que resolve tomar um banho na piscina do prédio só de cuecas, estará, sem dúvida, afrontando a noção de comportamento civilizado, e isso grassa praticamente em todos os imóveis. O mesmo se poderá dizer da moça que toma sol de topless, escandalizando as pessoas mais velhas, apesar da alegria da rapaziada. O mais emblemático, no entanto, decorre de comportamentos violentos e da embriaguez sistemática de alguns moradores, o que atinge os serviçais, o síndico e demais condôminos, sendo que, na maioria das vezes, a ponta de toda essa irracionalidade resulta de queixas e reclamações sobre práticas desrespeitosas dos valores como o sossego, a salubridade, a segurança e os bons costumes (art. 1.336, IV, do CC). Maria Helena Diniz menciona "uso de imóvel para constantes festas noturnas espalhafatosas, atividades ilícitas, como jogos de azar ou prostituição; incômodo provocado por cão feroz", e urge acrescentar: tráfico de drogas e pedofilia.
O síndico, ao tomar conhecimento da denúncia, deverá aplicar a multa prevista na convenção. Caso não exista previsão ou a matéria escape da normalidade, deverá o síndico convocar a assembleia para deliberação (2/3 dos votos, sem cômputo do infrator), na forma do § 2º do art. 1.336 do CC. O condômino deverá ser notificado para exercer seu direito de defesa na assembleia. Partindo da hipótese de o condômino reincidir, apesar da multa aplicada, o síndico convocará a assembleia para penalização mais grave, mediante deliberação de 3/4 dos votos. Espera-se que, com o peso da sanção financeira a qual mexe no bolso do infrator, ele sofra um choque persuasivo e mude radicalmente a conduta, transformando-se, senão em morador exemplar, no mínimo em condômino que não cause encrencas.
A pergunta formulada no caso de o infrator, apesar das multas aplicadas, persistir praticando as mesmas infrações, ou quiçá, até outros atos mais graves e danosos, aterrorizando ou escandalizando os demais proprietários, é a seguinte: poderá ser determinada a sua expulsão? É de se recordar o fato de Biasi Ruggiero elogiar sentença proferida pelo então Juiz de Direito, Dr. Luiz Pantaleão, acolhendo pedido para que unidade condominial habitada por travestis que se comportavam de forma indecorosa fosse desocupada em virtude do mau uso e da perturbação das famílias residentes no prédio.
Na Argentina existe autorização para desocupação do ocupante (inquilino) que reincide na infração ao regulamento, conforme dispõe o art. 15, da Lei nº 13.512/1948, exigindo-se, contudo, que tenha ocorrido condenação da primeira situação que não necessita, obrigatoriamente, de constituir ilícito penal, diz Lilian Gurfinkel de Wendy. Outra doutrinadora (Elena I. Highton) esclarece que a reincidência não necessita ser específica: "La reincidencia estará dada por cualquier nueva infracción luego de una condena y no necesariamente por la violación a la misma norma del reglamento o la reiteración de la misma conducta". A lei espanhola (49/1960) permite a privação de uso, inclusive do proprietário, que não poderá exceder a três anos, uma providência aplaudida pelo seu sentido persuasivo, segundo Luis Zanon Masdeu: "Tal privación ejercerá una fuerte coacción en los condueños para que no violen las anteriores normas en el futuro". Carbonnier, na França, afirma que a privação (temporária para o proprietário) e definitiva para o ocupante não dono consubstancia uma ajustada solução para a consequência social do incumprimento do dever de conduta de acordo com as normas fundamentais da convivência.
O Código Civil não prevê essa solução e esse é o principal argumento da doutrina que considera inadmissível expulsar o morador ou proprietário do prédio. Os fundamentos, embora respeitáveis, não convencem, data venia, tanto que a doutrina que sustenta o cabimento da exclusão do condômino nocivo cresceu e se fortaleceu com ponderáveis razões, conforme lista que segue sem qualquer ordem: Marco Aurélio S. Viana; Sílvio de Salvo Venosa; J. Nascimento Franco, Francisco Eduardo Loureiro, Álvaro Villaça de Azevedo e Cláudio Luiz Bueno de Godoy.
Os dois últimos (Villaça e Godoy) utilizam, como referência dos seus pontos de vista, Acórdão do TJ-SP, julgado pela Quarta Câmara de Direito Privado (AgIn. 513.932-4/3, Desembargador Ênio Santarelli Zuliani), cuja ementa foi publicada com os seguintes dizeres: "Condomínio edilício. Situação criada por morador, sargento da Polícia Militar, que, reincidente no descumprimento das normas regulamentares, renova condutas antissociais, apesar da multa aplicada e que não é paga, construindo, com isso, clima de instabilidade no grupo e uma insegurança grave, devido a seu gênio violento e ao fato de andar armado no ambiente, por privilégio profissional. Adequação da tutela antecipada emitida para obrigá-lo a não infringir a convenção, sob pena de multa ou outra medida específica do § 5º, do art. 461, do CPC, inclusive o seu afastamento. Interpretação do art. 1.377 do CC. Não provimento". (Fonte: Revista Magister de Direito Ambiental e Urbanístico, vol. 13, p. 153, ementa 13/56).
No condomínio convencional, a solução contra graves e inconciliáveis crises de relacionamento entre os condôminos é a divisão (art. 1.320 do CC) quando o bem é divisível, sendo que, no caso de indivisibilidade, a providência é a venda judicial (art. 1.322 do CC). Os condôminos possuem, portanto, tutela específica contra a insuportabilidade gerada pela ruptura dos valores da união pelo domínio múltiplo e não merecem desproteção jurídica quando postos em situação de condomínio edilício. Há de existir uma saída e, evidentemente, o peso de uma drástica medida recairá no condômino nocivo e não nos demais, que são vítimas da inadaptação do desajustado morador.
Essas soluções, que são drásticas porque buscam saída para o inconciliável desfrute comum da coisa, não ofendem o direito de propriedade previsto no art. 5º, XXII, da CF. Da mesma maneira não o ofenderá a exclusão do condômino nocivo que não utiliza o direito de propriedade de acordo com a função social. Portanto, e de acordo com a gravidade da conduta antissocial do nefasto vizinho, pode o juiz determinar o afastamento dele do prédio e do convívio das demais pessoas, inclusive mediante tutelas de urgência (periculum in mora), como previsto no art. 273 do CPC. Haverá de se provar o fundamento para que isso ocorra e, principalmente, a certeza de que não há outra medida para conter a ilicitude perigosa que, na maioria das vezes, é progressiva.
Não se ignora a força do princípio nulla poena sine lege e urge reverenciá-lo para o bem da legalidade da ordem constitucional. Ocorre que a ordem de expulsão do condômino não é, em verdade, uma pena civil que o juiz aplica sem ter norma que o autorize a isso, mas, sim, uma solução prevista no ordenamento para adequar os interesses conflitantes dos proprietários. Não se engessam as mentes dos juízes ou imobilizam suas canetas com o frágil discurso de que a lei não autoriza determinado julgamento, bastando recorrer ao disposto no art. 126, do CPC, para se afastar tal argumento. O condômino desafia a ordem jurídica e a convenção, pouco se importando com as regras institucionais e morais, prejudicando, com isso, direitos de ordem pessoal e reais dos demais proprietários, o que autoriza criar o título coercitivo da saída forçada do conjunto de apartamentos (art. 461, § 5º, do CPC), devido ao não cumprimento da obrigação prevista no art. 1.336, IV, e 1.337 do CC.
O direito dos demais condôminos é prioritário e resulta da necessidade de ser combatido o abuso de direito (art. 187, do CC) e o desvio da função social da propriedade (art. 5º, XXIII, da CF) que o lesante reiteradamente pratica, bem como para permitir qualidade de vida digna aos vizinhos (art. 1º, III, da CF). Evidentemente, esse direito poderá ser exercido somente quando as infrações reiteradas atingirem um patamar de insuportabilidade, grau de insatisfação que se reconhece em se constatando que nada mudou mesmo depois do exaurimento das providências previstas (as multas). Não é preciso que exista cláusula na convenção autorizando que se peça a expulsão do condômino nocivo, embora fosse salutar que existisse essa regulamentação, mas a falta de inserção de uma ocorrência dessa ordem no estatuto não poderá impedir que o grupo recorra ao Judiciário para pleitear o cumprimento da convenção e da lei. É indispensável, contudo, que se delibere a respeito em assembleia designada especificamente para esse fim, cientificando o infrator para que exerça seus direitos, na forma do art. 5º, LV, da CF.
Recorde-se que o objetivo é a coerção física do condômino nocivo que age contra os costumes regulamentares e não contra o seu direito de propriedade, o que não obsta que se tome, no futuro, medida nesse sentido, providenciando-se a alienação forçada, mediante processo que seguirá o modelo do art. 1.113 do CPC. O dono da coisa recebe o produto da venda (sub-rogação), descontadas, como admite o preclaro Francisco Loureiro, "as multas e indenizações exigíveis". Acrescente-se, pela experiência (art. 335 do CPC), que é presumido o não pagamento de taxas condominiais e impostos municipais, o que recomenda que o Juiz mande apurar para proceder a respectiva dedução do numerário a ser liberado ao ex-condômino, de maneira a entregar ao comprador o bem livre desse ônus.
Vivemos uma realidade social repleta de transformações e a mais formidável delas é a valorização do ser humano, o que se deu, principalmente, com a evolução do direito de personalidade. Com inteira pertinência advoga-se que ruídos excessivos perturbadores do sono constituem lesão ao direito da integridade física e psíquica, o que, evidentemente, autoriza a provocação do Judiciário para cessar tais atividades, sem prejuízo do dano moral, que é perfeitamente cabível (arts. 186, do CC, e 5º, V e X, da CF). É preciso refletir que essas mudanças atingem todos os segmentos e ingressam, com força, nos prédios de apartamentos, o que obriga a administração a agir contra aqueles que insistem em manter conduta agressiva e que ofende a paz, sossego e tranquilidade dos demais moradores. Assim e até para que o Condomínio não tenha que pagar indenização por cometer ato ilícito (omissão no dever de agir contra os infratores reincidentes e que não se emendam apesar das multas) é de boa ordem convocar reunião para decidir sobre a expulsão do condômino nocivo, transferindo a responsabilidade aos verdadeiros interessados.
Referências Bibliográficas
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Desembargador da 4ª Câmara de Direito Privado
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RESUMO: O prédio é como se fosse uma casa habitada por diversos proprietários e, se não há regras regulamentando o convívio, a desordem avança e caminha rumo à ilicitude descontrolada. O Código Civil estabelece sanções para os infratores e esse capítulo está destinado ao condômino que persiste em manter comportamento antissocial em virtude do disposto no art. 1.337, parágrafo único. Comportamento antissocial constitui conceito vago a ser preenchido com as referências atuais da sociedade.
O condomínio é um organismo social e depende do funcionamento de sua estrutura para cumprir sua missão institucional. As decisões são votadas e respeita-se a deliberação imposta pela maioria. As assembleias são públicas, e o síndico se encarrega de fazer cumprir a convenção, inclusive penalizando os infratores, o que ocorre com procedimento justo, garantida a ampla defesa (art. 5º, LV, da CF). Caso ocorra falha do sistema, está comprometido o projeto de socialização das pessoas que estão conectadas pelo direito real de propriedade comum, o que é um desastre em termos de qualidade de vida dos proprietários. Seria prazeroso escrever que a convenção representa mera formalidade diante da ética generalizada, o que, lastimavelmente, constitui uma utopia, devido aos agentes tendenciosos e sem escrúpulos que se instalam nos condomínios. Um elemento desagregador é o suficiente para criar o caos que gera instabilidade jurídica e emocional, sendo preciso rigor na fiscalização e repressão do vandalismo, dos atos obscenos, dos crimes contra os costumes e dos atos que afrontem os estatutos, lesando os direitos dos demais condôminos. O prédio é como se fosse uma casa habitada por diversos proprietários e, se não há regras regulamentando o convívio, a desordem avança e caminha rumo à ilicitude descontrolada.
O Código Civil estabelece sanções para os infratores e esse capítulo está destinado ao condômino que persiste em manter comportamento antissocial em virtude do disposto no art. 1.337, parágrafo único: "O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento antissocial, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembléia".
Comportamento antissocial constitui conceito vago a ser preenchido com as referências atuais da sociedade. As vestes das moças de hoje não são iguais às que vestiam as mulheres do começo do século passado e não serão consideradas indecentes porque encurtaram ou tenham decotes considerados excessivamente generosos pelos mais conservadores. Um casal que se despede, na saída do elevador, com um beijo apaixonado, não merece advertência. Contudo, um rapaz que resolve tomar um banho na piscina do prédio só de cuecas, estará, sem dúvida, afrontando a noção de comportamento civilizado, e isso grassa praticamente em todos os imóveis. O mesmo se poderá dizer da moça que toma sol de topless, escandalizando as pessoas mais velhas, apesar da alegria da rapaziada. O mais emblemático, no entanto, decorre de comportamentos violentos e da embriaguez sistemática de alguns moradores, o que atinge os serviçais, o síndico e demais condôminos, sendo que, na maioria das vezes, a ponta de toda essa irracionalidade resulta de queixas e reclamações sobre práticas desrespeitosas dos valores como o sossego, a salubridade, a segurança e os bons costumes (art. 1.336, IV, do CC). Maria Helena Diniz menciona "uso de imóvel para constantes festas noturnas espalhafatosas, atividades ilícitas, como jogos de azar ou prostituição; incômodo provocado por cão feroz", e urge acrescentar: tráfico de drogas e pedofilia.
O síndico, ao tomar conhecimento da denúncia, deverá aplicar a multa prevista na convenção. Caso não exista previsão ou a matéria escape da normalidade, deverá o síndico convocar a assembleia para deliberação (2/3 dos votos, sem cômputo do infrator), na forma do § 2º do art. 1.336 do CC. O condômino deverá ser notificado para exercer seu direito de defesa na assembleia. Partindo da hipótese de o condômino reincidir, apesar da multa aplicada, o síndico convocará a assembleia para penalização mais grave, mediante deliberação de 3/4 dos votos. Espera-se que, com o peso da sanção financeira a qual mexe no bolso do infrator, ele sofra um choque persuasivo e mude radicalmente a conduta, transformando-se, senão em morador exemplar, no mínimo em condômino que não cause encrencas.
A pergunta formulada no caso de o infrator, apesar das multas aplicadas, persistir praticando as mesmas infrações, ou quiçá, até outros atos mais graves e danosos, aterrorizando ou escandalizando os demais proprietários, é a seguinte: poderá ser determinada a sua expulsão? É de se recordar o fato de Biasi Ruggiero elogiar sentença proferida pelo então Juiz de Direito, Dr. Luiz Pantaleão, acolhendo pedido para que unidade condominial habitada por travestis que se comportavam de forma indecorosa fosse desocupada em virtude do mau uso e da perturbação das famílias residentes no prédio.
Na Argentina existe autorização para desocupação do ocupante (inquilino) que reincide na infração ao regulamento, conforme dispõe o art. 15, da Lei nº 13.512/1948, exigindo-se, contudo, que tenha ocorrido condenação da primeira situação que não necessita, obrigatoriamente, de constituir ilícito penal, diz Lilian Gurfinkel de Wendy. Outra doutrinadora (Elena I. Highton) esclarece que a reincidência não necessita ser específica: "La reincidencia estará dada por cualquier nueva infracción luego de una condena y no necesariamente por la violación a la misma norma del reglamento o la reiteración de la misma conducta". A lei espanhola (49/1960) permite a privação de uso, inclusive do proprietário, que não poderá exceder a três anos, uma providência aplaudida pelo seu sentido persuasivo, segundo Luis Zanon Masdeu: "Tal privación ejercerá una fuerte coacción en los condueños para que no violen las anteriores normas en el futuro". Carbonnier, na França, afirma que a privação (temporária para o proprietário) e definitiva para o ocupante não dono consubstancia uma ajustada solução para a consequência social do incumprimento do dever de conduta de acordo com as normas fundamentais da convivência.
O Código Civil não prevê essa solução e esse é o principal argumento da doutrina que considera inadmissível expulsar o morador ou proprietário do prédio. Os fundamentos, embora respeitáveis, não convencem, data venia, tanto que a doutrina que sustenta o cabimento da exclusão do condômino nocivo cresceu e se fortaleceu com ponderáveis razões, conforme lista que segue sem qualquer ordem: Marco Aurélio S. Viana; Sílvio de Salvo Venosa; J. Nascimento Franco, Francisco Eduardo Loureiro, Álvaro Villaça de Azevedo e Cláudio Luiz Bueno de Godoy.
Os dois últimos (Villaça e Godoy) utilizam, como referência dos seus pontos de vista, Acórdão do TJ-SP, julgado pela Quarta Câmara de Direito Privado (AgIn. 513.932-4/3, Desembargador Ênio Santarelli Zuliani), cuja ementa foi publicada com os seguintes dizeres: "Condomínio edilício. Situação criada por morador, sargento da Polícia Militar, que, reincidente no descumprimento das normas regulamentares, renova condutas antissociais, apesar da multa aplicada e que não é paga, construindo, com isso, clima de instabilidade no grupo e uma insegurança grave, devido a seu gênio violento e ao fato de andar armado no ambiente, por privilégio profissional. Adequação da tutela antecipada emitida para obrigá-lo a não infringir a convenção, sob pena de multa ou outra medida específica do § 5º, do art. 461, do CPC, inclusive o seu afastamento. Interpretação do art. 1.377 do CC. Não provimento". (Fonte: Revista Magister de Direito Ambiental e Urbanístico, vol. 13, p. 153, ementa 13/56).
No condomínio convencional, a solução contra graves e inconciliáveis crises de relacionamento entre os condôminos é a divisão (art. 1.320 do CC) quando o bem é divisível, sendo que, no caso de indivisibilidade, a providência é a venda judicial (art. 1.322 do CC). Os condôminos possuem, portanto, tutela específica contra a insuportabilidade gerada pela ruptura dos valores da união pelo domínio múltiplo e não merecem desproteção jurídica quando postos em situação de condomínio edilício. Há de existir uma saída e, evidentemente, o peso de uma drástica medida recairá no condômino nocivo e não nos demais, que são vítimas da inadaptação do desajustado morador.
Essas soluções, que são drásticas porque buscam saída para o inconciliável desfrute comum da coisa, não ofendem o direito de propriedade previsto no art. 5º, XXII, da CF. Da mesma maneira não o ofenderá a exclusão do condômino nocivo que não utiliza o direito de propriedade de acordo com a função social. Portanto, e de acordo com a gravidade da conduta antissocial do nefasto vizinho, pode o juiz determinar o afastamento dele do prédio e do convívio das demais pessoas, inclusive mediante tutelas de urgência (periculum in mora), como previsto no art. 273 do CPC. Haverá de se provar o fundamento para que isso ocorra e, principalmente, a certeza de que não há outra medida para conter a ilicitude perigosa que, na maioria das vezes, é progressiva.
Não se ignora a força do princípio nulla poena sine lege e urge reverenciá-lo para o bem da legalidade da ordem constitucional. Ocorre que a ordem de expulsão do condômino não é, em verdade, uma pena civil que o juiz aplica sem ter norma que o autorize a isso, mas, sim, uma solução prevista no ordenamento para adequar os interesses conflitantes dos proprietários. Não se engessam as mentes dos juízes ou imobilizam suas canetas com o frágil discurso de que a lei não autoriza determinado julgamento, bastando recorrer ao disposto no art. 126, do CPC, para se afastar tal argumento. O condômino desafia a ordem jurídica e a convenção, pouco se importando com as regras institucionais e morais, prejudicando, com isso, direitos de ordem pessoal e reais dos demais proprietários, o que autoriza criar o título coercitivo da saída forçada do conjunto de apartamentos (art. 461, § 5º, do CPC), devido ao não cumprimento da obrigação prevista no art. 1.336, IV, e 1.337 do CC.
O direito dos demais condôminos é prioritário e resulta da necessidade de ser combatido o abuso de direito (art. 187, do CC) e o desvio da função social da propriedade (art. 5º, XXIII, da CF) que o lesante reiteradamente pratica, bem como para permitir qualidade de vida digna aos vizinhos (art. 1º, III, da CF). Evidentemente, esse direito poderá ser exercido somente quando as infrações reiteradas atingirem um patamar de insuportabilidade, grau de insatisfação que se reconhece em se constatando que nada mudou mesmo depois do exaurimento das providências previstas (as multas). Não é preciso que exista cláusula na convenção autorizando que se peça a expulsão do condômino nocivo, embora fosse salutar que existisse essa regulamentação, mas a falta de inserção de uma ocorrência dessa ordem no estatuto não poderá impedir que o grupo recorra ao Judiciário para pleitear o cumprimento da convenção e da lei. É indispensável, contudo, que se delibere a respeito em assembleia designada especificamente para esse fim, cientificando o infrator para que exerça seus direitos, na forma do art. 5º, LV, da CF.
Recorde-se que o objetivo é a coerção física do condômino nocivo que age contra os costumes regulamentares e não contra o seu direito de propriedade, o que não obsta que se tome, no futuro, medida nesse sentido, providenciando-se a alienação forçada, mediante processo que seguirá o modelo do art. 1.113 do CPC. O dono da coisa recebe o produto da venda (sub-rogação), descontadas, como admite o preclaro Francisco Loureiro, "as multas e indenizações exigíveis". Acrescente-se, pela experiência (art. 335 do CPC), que é presumido o não pagamento de taxas condominiais e impostos municipais, o que recomenda que o Juiz mande apurar para proceder a respectiva dedução do numerário a ser liberado ao ex-condômino, de maneira a entregar ao comprador o bem livre desse ônus.
Vivemos uma realidade social repleta de transformações e a mais formidável delas é a valorização do ser humano, o que se deu, principalmente, com a evolução do direito de personalidade. Com inteira pertinência advoga-se que ruídos excessivos perturbadores do sono constituem lesão ao direito da integridade física e psíquica, o que, evidentemente, autoriza a provocação do Judiciário para cessar tais atividades, sem prejuízo do dano moral, que é perfeitamente cabível (arts. 186, do CC, e 5º, V e X, da CF). É preciso refletir que essas mudanças atingem todos os segmentos e ingressam, com força, nos prédios de apartamentos, o que obriga a administração a agir contra aqueles que insistem em manter conduta agressiva e que ofende a paz, sossego e tranquilidade dos demais moradores. Assim e até para que o Condomínio não tenha que pagar indenização por cometer ato ilícito (omissão no dever de agir contra os infratores reincidentes e que não se emendam apesar das multas) é de boa ordem convocar reunião para decidir sobre a expulsão do condômino nocivo, transferindo a responsabilidade aos verdadeiros interessados.
Referências Bibliográficas
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WENDY, Lílian N. Gurfinkel de. Propriedad horizontal: derechos reales. Buenos Aires: Abeledo Perrot, 2010.
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