Alimentos para filhos maiores

Ênio Santarelli Zuliani
Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
  

SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Alimentos: Conceito e Natureza; 2.1 Espécies de Alimentos; 2.2 Quem Deve Prestá-los e Quem Pode Reclamá-los; 3 Maioridade e Maturidade; 4 Direito Comparado; 5 Os Filhos Maiores Estudantes e a Jurisprudência que lhes Reconhece Direitos aos Alimentos; 5.1 Os Pressupostos, os Limites e a Questão da Possibilidade dos Pais; 5.2 Sanção ao Comportamento Desidioso ou Negligente do Alimentando; 5.3 Aspectos Procedimentais Relacionados com a Exoneração pela Maioridade; 5.3.1 Tutela Antecipada nas Ações dos Filhos Maiores; 6 Conclusão; 7 Bibliografia.
  
      
    1 Introdução   
Para o Direito de Família, a paternidade é o prazer de se viver com responsabilidade social. Há pais que, além de se orgulharem da presença dos filhos, projetam-se neles, interferindo para que as crianças realizem os sonhos que, para eles, pais, ficaram interceptados no passado e foram abandonados pelo tempo. Outros, desafortunados, sofrem as amarguras da desagregação que frustra as aspirações legítimas, sentindo o peso dos golpes do destino, como o vício das drogas, que elimina a felicidade dos jovens, conforme o exemplo de tristeza de lares que são vítimas desse mal violento. Todos, no entanto, assumem, e são raras as exceções, o dever de orientação e educação dos filhos para que eles consigam, no universo que é pródigo de chances e, ao mesmo tempo, minado de armadilhas perigosíssimas, encontrar a essência que seleciona os seres durante a existência. Os pais sabem que uma simples escolha muda uma vida.
O Código Civil estabeleceu que são atribuições dos pais, pelo poder familiar que o art. 1.630 confere em relação aos filhos menores, "dirigir-lhes a criação e a educação" [art. 1.634, I] e "exigir que lhe prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição" [art. 1.634, VII]. Os pais são obrigados a prover as necessidades dos filhos, destinando-lhes alimentos para que sobrevivam e obtenham condições favoráveis de dignidade humana, como determina o art. 1º, III, da CF. O poder legal de controle dos filhos cessa quando acaba a menoridade deles, e isso ocorre aos dezoito anos [arts. 5º, caput, e 1.635, III, do CC]. Portanto, de acordo com tais dispositivos, os pais não estão mais obrigados a prestar alimentos aos filhos que são maiores e capazes. O sentido desse conjunto de regras é o de incentivar que a pessoa emancipada assuma, de vez, a responsabilidade jurídica que lhe cabe, desenvolvendo condições para conduzir sua vida com autonomia, o que, sem dúvida, é uma construção afinada com o intuito de criar sociedade fortalecida por constante renovação de cidadãos verdadeiramente produtivos. É preciso estimular o gosto pelo trabalho honesto para que as pessoas, amadurecidas, superem, longe dos pais, os desafios da competitividade, adquirindo know how para que formem suas famílias com o mesmo espírito de fraternidade e solidariedade que inspiraram sua biografia.
Ocorre que essa ruptura dos vínculos jurídicos entre pais e filhos maiores acontece no momento crítico da definição profissionalizante do ser humano que adquire o status de sujeito de direitos e deveres legais, provocando perplexidade por estar em pauta a necessidade da permanência dos subsídios financeiros paternos, o que é de vital importância para conclusão de cursos universitários ou de capacitação profissional, alguns, agora, com duração de até dois anos. Normalmente há coincidência do aniversário de dezoito anos com a disputa pelo acesso a uma universidade pública ou de caráter privado, cujo ingresso depende de resultado favorável de um vestibular exigente e para o qual é imprescindível a preparação em cursinhos especializados, que são particulares. Tudo isso consome tempo e dinheiro; de tempo, o jovem dispõe, mas o dinheiro lhe é escasso, o que permite afirmar que, se não houver concorrência paterna para custeio de tais empreendimentos, fatalmente se frustrará a instrução acadêmica que fecha um currículo promissor.
Como julgar a lide aberta pelo desejo de o filho maior continuar sendo alimentado pelo pai, embora maior, diante de um pai que não se sente obrigado, pela cessação do poder familiar, de financiar a vida universitária dele? Esse ensaio pretende explorar as variantes desse fenômeno que se tornou recorrente e que não escolhe as famílias para animar conflitos, pois tanto poderá explodir nos lares estáveis ou com os pais separados pelo divórcio e que já estejam vivenciando novas relações. Antes, contudo, mostra-se oportuno rememorar as noções sobre alimentos.
  

    2 Alimentos: Conceito e Natureza   
Alimentos, no Direito, não significam objetos de consumo alimentar que impedem a desnutrição do indivíduo. O vocábulo poderá ter alguma conexidade com a fome do ser humano, desde que por Justiça. Alimentar significa dar amparo, fornecer proteção, prestar, de forma concreta, solidariedade ao parente ou à antiga companhia de relacionamento amoroso que passa por dificuldades financeiras, porque representa o dever de destinar auxílio material que livra o necessitado da indigência, salvando-o das cruezas da miséria, pior condição do ser humano aviltado pela má sorte. Segundo o digno Álvaro Villaça Azevedo "os romanos dos primeiros tempos conheciam os alimentos pela expressão officium pietatis (dever de piedade, de caridade) mero dever moral, que depois se desenvolveu com fundamento nos laços de parentesco, transformando-se em dever jurídico, regulamentado em lei".
Os verdadeiramente órfãos, quando pobres, escapam da indigência devido aos favores de uma alma caridosa, da beneficência de serviço voluntário ou pela assistência pública mínima que o Estado deve prestar. Quando, porém, o abandonado possui parente com capacidade econômica regular, é a esse que a lei destina o dever de proporcionar um mínimo de verba para que o favorecido alcance condições de sobrevivência digna [art. 1.694, do CC]. Com esse regulamento, o Poder Público acautela-se dos efeitos da sobrecarga dos ônus sociais, evitando assumir as despesas de todos os necessitados, realmente um custo enorme em países com graves problemas sociais. Quando o Estado obriga a prestação de alimentos entre parentes, está, de certa forma, aliviando o peso de sua proteção aos cidadãos e enxugando o orçamento, o que encaminhou Carlos Roberto Gonçalves 3 afirmar ser essa a razão "por que aludidas normas são consideradas de ordem pública, inderrogáveis por convenção entre os particulares e impostas por meio de violenta sanção, como a pena de prisão a que está sujeito o infrator".
Os filhos menores são incapazes de providenciarem a auto-sustentação, o que obriga os pais a suprirem suas necessidades. Os filhos maiores e que sejam inaptos ao trabalho, por alguma espécie de incapacidade, são, igualmente, beneficiados com esse dever de sustento ad aeternum ou enquanto a incapacitação persistir. Os cônjuges e companheiros são agraciados pela verba alimentar em se confirmando que viviam na dependência econômica dos parceiros quando a união era mantida. Portanto, a prestação alimentar é de cunho patrimonial, com finalidade de garantir satisfação pessoal do alimentando.
  

    2.1 Espécies de Alimentos   
Verifica-se, da definição de Spencer Vampré, que alimentos seriam "tudo quanto é necessário para o sustento, vestuário, e habitação; se o alimentário é menor, nos alimentos compreendem-se as despesas de criação e educação". Os alimentos destinados a vestir, sustentar, dar moradia e "tratar das moléstias", eram considerados "naturais", sendo que "os da educação e de um tratamento decente, conforme os haveres e qualidade das pessoas", eram os "civis". Os alimentos referentes à educação são chamados de "côngruos". Côngruo significa adequado ou suficiente, termo que é utilizado para enaltecer o sentido de equivalência da necessidade com a possibilidade patrimonial do provedor, como esclareceu Pietro Perlingieri ao comentar as obrigações no interesse da família: "No interesse da família é aquela obrigação contraída para satisfazer as necessidades dos componentes do grupo em atuação, consciente ou inconsciente, da direção acordada e isso em forma côngrua à capacidade patrimonial do grupo, com espírito de lealdade (lealtà) e probidade (corretteza) em relação a este último".
Nas Ordenações Filipinas, Livro I, Título LXXXVIII, § 15, o dever de alfabetização das crianças até doze anos era imposto pelos Juízes dos Órfãos e estava inserido na obrigação alimentar: "E mandara ensinar a ler e escrever àqueles que forem para isso". O art. 1.694, do CC, ao dispor que os alimentos servem para que o necessitado possa viver de modo compatível com a sua condição social, "inclusive para atender às necessidades de sua educação", encerrou uma velha polêmica instaurada sobre se os alimentos compreendiam "instrução". Considera-se apropriado continuar diferenciado os alimentos que se destinam ao necessarium vitae [básicos para a vida] e ao necessarium personae [ou "as necessidades intelectuais e morais, variando conforme a posição social da pessoa necessitada"].
  
      
    2.2 Quem Deve Prestá-los e Quem Pode Reclamá-los   
Como o legislador não confia na caridade e na bondade das pessoas - disse-o Cunha Gonçalves - tratou de inserir como obrigação jurídica o dever de prestar alimentos aos parentes, cônjuges e companheiros, segundo o art. 1.694, do CC. É um dever recíproco entre pais e filhos, extensivo a todos os ascendentes, podendo alcançar os irmãos germanos e unilaterais [arts. 1.696 e 1.697, do CC].
Os repertórios de jurisprudência funcionam como termômetros da realidade social e, nesse setor, estão os julgados indicando que crescem, de forma espetacular, as ações em que os avós são convocados a prestar alimentos aos netos, porque os pais das crianças não são capacitados para o encargo. Várias causas explicam a ocorrência, como a gravidez precoce, um problema crônico da adolescência, e a dificuldade de o jovem pai conseguir emprego rentável que possibilite sustentar o filho; isso agrava mais a situação das pessoas que entram na terceira idade, exatamente porque, em fase difícil da vida, com problemas de saúde e proventos módicos, são obrigadas a assumir prestações completamente imprevisíveis, como a de sustentar os netos.
Os alimentos decorrem, portanto, do parentesco [iure sanguinis], do casamento e da união estável e podem se originar da responsabilidade civil, quando são concedidos como indenizações por atos ilícitos [arts. 948, II e 950, do CC]. Há os alimentos voluntários, deferidos por quem não possuía obrigação legal de destiná-los, seja por contrato ou por testamentos [art. 1.920, do CC]. Aos dezoito anos extingue-se, para os pais e avós, o dever de sustentar os filhos e netos, salvo se forem eles incapazes para o exercício de atividades que lhes proporcionem o sustento. Os filhos que atingem a maioridade e que são perfeitamente aptos ao trabalho figuram entre os credores de alimentos para conclusão de cursos universitários ou profissionalizantes, um enunciado que se afirma sem base legislativa; garantiram a eles esse direito os juízes, pela jurisprudência que criaram, como se verá em seguida.
  
      
    3 Maioridade e Maturidade   
No regime do CC/16, a maioridade natural era alcançada no vigésimo primeiro aniversário da pessoa [art. 9º]. Agora, como já anotado, o prazo foi reduzido para 18 anos e, tanto naquela situação como na atual, as dúvidas continuam sobre o acerto da idade biológica da plena responsabilidade civil. Não cabe aqui discutir qual seria o tempo mais ajustado para se considerar a pessoa completamente habilitada ao exercício dos atos civis, inclusive porque a polêmica não termina devido a estar associada ao fator personalidade, elemento variável que molda de forma especial e diferente todo ser humano. Existem mulheres que, com 17 anos, são maduras e muito mais responsáveis que as balzaquianas; há rapazes sérios e compenetrados que, aos vinte anos, já administram fortunas que eles próprios construíram, enquanto outros continuam na flauta, insistindo em fazer da boêmia e da irreverência paradigmas de um modelo de vida incompatível com a idade.
Com a linguagem que lhe imortalizou, Machado de Assis escreveu o seguinte sobre a personagem Guiomar, do romance "A mão e a luva": "Guiomar não tinha a experiência nem a idade da inglesa (Mrs. Oswald), que podia ser sua mãe; mas a experiência e a idade eram substituídas, como sabe o leitor, por um grande tino e sagacidade naturais. Há criaturas que chegam aos cinqüenta anos sem nunca passar dos quinze, tão símplices, tão cegas, tão verdes as compõe a natureza; para essas o crepúsculo é o prolongamento da aurora. Outras não; amadurecem na sazão das flores; vêm ao mundo com a ruga da reflexão no espírito, - embora, sem prejuízo do sentimento, que nelas vive e influi, mas não domina. Nestas o coração nasce enfreado; trota largo, vai a passo ou galopa, como coração que é, mas não dispara nunca, não se perde nem perde o cavaleiro".
Uma coisa é absolutamente certa: a pessoa de 18 anos de idade não se encontra bem preparada para os desafios que a essencialidade da vida protagoniza. A existência é um mistério que acompanha o ser humano desde quando ele sai do ventre materno, respirando o ar que enche seus pequenos pulmões, pois lhe cabe, a partir daí, encontrar o espaço que o destino lhe reserva no mundo, uma procura que é uma tarefa indelegável. A diferença social e financeira entre os homens, que nascem iguais e com direitos idênticos quanto ao livre desfrute dos dons da natureza, explica-se por lances que ocorrem no fluir da vida, quando, por experiências concretas, são obtidas as realizações que identificam a importância daquela pessoa para a comunidade.
A cultura é o fator diferencial dessas escolhas. O homem descobriu, na ciência, as verdades que o humanizaram, como a de saber que não é imortal. Os valores sentimentais que permitem viver em harmonia, são guiados pelos sensores cerebrais e por força de regras morais e jurídicas, até porque não se poderia conceber sociedade sem leis para que os direitos fossem respeitados. O aprendizado é o nutriente que faz essa engenharia funcionar a ponto de viabilizar o uso da razão, o que permite afirmar que, para se viver, é preciso estudar, porque a instrução é a garantia do bem estar dos homens. Em países subdesenvolvidos, com reduzidas oportunidades de ascensão social, a missão de o agente descobrir o ponto essencial de sua vida, é bem mais ingrata. No Brasil, o jovem que cursa o ensino publico fundamental sofre com a péssima qualidade do serviço, tanto que, em recente avaliação do Saresp [Sistema de avaliação de rendimento escolar do Estado de São Paulo], "35% dos alunos apresentaram nível médio em avaliação do governo, o que significa que muitos não conseguem interpretar textos" [O Estado de São Paulo, 25.06.2005, A-21]. As Universidades Públicas possuem poucas vagas, e a disputa ferrenha pelo acesso é quase sempre vencida pelos estudantes provenientes de escolas particulares e que se inscrevem em cursos preparatórios. As Faculdades particulares representam uma saída ilusória, porque a maioria dos alunos não conclui a graduação devido a insuperáveis problemas econômicos [mensalidades caras]. Ao final, muitos não obtêm aprovação nos exames de habilitação, como o da OAB, para o Direito [índice de 90% de reprovação, na Seccional paulista], e tornam-se bacharéis desempregados ou ocupantes de cargos sem correlação com a educação deficiente que obtiveram.
Essa desesperança desanima a massa de candidatos hábeis e que lastimam, até o fim da velhice, o desperdício dos sonhos. O contingente dos desiludidos não é maior porque a perseverança é um requisito inato na pessoa que, mesmo sem o estímulo paterno ou familiar, não se acomoda frente aos obstáculos, insistindo em obter o grau de conhecimento que lhe permitirá adquirir a intelectualidade ou habilitação capaz de abrilhantar sua passagem pela vida. Significa afirmar que a aprovação em curso universitário ou de ensino profissionalizante é verdadeira aspiração legítima do jovem que atinge os dezoito anos e que poderá integrar as variantes da dignidade humana [art. 1º, III, da CF].
O filho que chega à maioridade necessitando de reforço monetário para prosseguir com honestos projetos estudantis, adquire o direito de exigir dos pais e dos demais devedores, na falta dos primeiros, a prorrogação do dever de prestar alimentos e que acabaria nos seus dezoitos anos, recorrendo ao Judiciário para que o juiz os obrigue, em caso de recusa, por ser inadmissível legalizar a ruptura da prestação de alimentos civis sem alcançar o resultado esperado. A pretensão não se sustenta mais no art. 1.694, do CC, porque o poder parental está extinto com a maioridade; funda-se, sim, no art. 1.695, do CC, cujo princípio é o da solidariedade familiar ininterrupta e consentânea com os dizeres dos arts. 229 e 1º, III, da CF. O ilustre Juiz Belmiro Pedro Welter sustenta esse enunciado apoiado em precedente do TJSP [AgIn 129.876-4, 09.11.99, CD Juris Síntese 23, jun/2000, relator Des. Ênio Santarelli Zuliani], com a seguinte ementa: "A jurisprudência, com sabedoria, prolonga o encargo alimentar para possibilitar que o filho maior e responsável complete, com a ajuda do pai, o curso universitário, uma questão de dignidade humana, afinada com o dever de solidariedade; enunciado que criou costume jurídico e que reclama ação de exoneração ou processo justo (art. 5º, LV, da CF) para excluir do alimentando a fruição do direito básico".
Registro que o eminente Procurador de Justiça do Estado de São Paulo, Washington Epaminondas Medeiros Barra, endossa a diretriz que estica o dever de prestar alimentos, anotando com muita propriedade: "É que a nossa cultura educacional não faz desaparecer, com a maioridade civil, a incapacidade financeira do beneficiário que percorre os diversos patamares educacionais até a colação de grau científico em nível superior ou equivalente. A redução da capacidade veio tardiamente. Porém, deve prevalecer a construção pretoriana no sentido de garantir ao filho, ainda que maior e capaz, a oportunidade para galgar os degraus universitários até a sua conclusão. A paternidade é sinônima de responsabilidade".
  
      
    4 Direito Comparado   
O trabalho de comparação das legislações estrangeiras foi facilitado pelo que consta da excelente pesquisa realizada pelo Professor assistente da Faculdade de Direito de Coimbra, J. P. Remédio Marques, que, ao escrever a nota 356 de sua obra "Algumas notas sobre alimentos" 16, assinala: "No ordenamento alemão, também a Lei de 31.07.74, ao alterar a maioridade legal, deu nova redação ao § 1610.2 do BGB, no sentido de as despesas de educação e de formação profissional continuarem a ser devidas pelos progenitores após a maioridade do filho"; "em Espanha, o art. 142 (2º §) do Código Civil, a partir da reforma de 1981, preceitua que os alimentos compreendem, também, la educación e instrucción del alimentista mientras sea menor de edad y aun después, cuando no haya terminado su formación por causa que no lo sea imputable"; "nos EUA, alguns Estados prevêem a continuação do child support para além da maioridade (Ohio, Statutes, § 3103.03; Oklahoma, Statutes, 10, § 1277B; Tennessee, Statutes, § 34-1-101b e Texas, Statutes, § 4.92)"; "na Escócia, o Family Law Act, de 1985 (sec. 1 (5) e no Reino Unido, o Matrimonial Causes Act (sec. 29 (3), de 1973", dispõem regras semelhantes".
Observa-se que o Código Civil Português - que também prevê a maioridade aos dezoito anos [art. 130] - estabeleceu, entre outros casos de fim da obrigação alimentar, a cessação "quando aquele que os presta não possa continuar a prestá-los ou aquele que os recebe deixe de precisar deles" [art. 2013, 1. b]. O mais importante dispositivo é o do art. 1.880, que trata das "despesas com os filhos maiores ou emancipados", com a seguinte redação do DL 496/77: "Se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o número anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete".
Há, portanto, previsibilidade de se prolongar a obrigação alimentar após a maioridade para os portugueses, desde que o filho necessite para se habilitar regularmente em ofício ou profissão, como aliás é da tradição jurídica lusitana em face do antigo art. 1.831, § 1º, do CC, revogado, que cuidava do legado de alimentos para fins educacionais e que mereceu de José Dias Ferreira a observação de que a obrigação de educar não cessa com a maioridade, devendo continuar para que o alimentando conclua o estudo ou ofício "porque a educação e a instrução são tão necessárias ao desenvolvimento do espírito, como os alimentos ao sustento do corpo" 17. Essa foi a lição deixada por Cunha Gonçalves, que considerava os alimentos civis o "pão do espírito".
O Código Civil Italiano, de 1942, autoriza que o filho maior postule alimentos para "il mantenimento l'istruzione e l'educazione" [art. 279]. São pressupostos que o filho almeje "completato la propria formazione professionale e non abbia ancora raggiunto la propria indipendenza economica" . Recomenda-se cautela quanto a esse "protarse del dovere del genitore", apreciando as circunstâncias caso a caso. Vale consignar a prestigiosa doutrina de Alessandro Natucci, pela qual se sabe que a obrigação de manter o filho maior não se limita ao custeio das despesas escolares, mas, sim, todos os gastos indispensáveis para que o destinatário possa obter uma distinção analítica para adquirir a capacidade de trabalho.
Finaliza-se declarando que a Suprema Corte [Sezione Prima Civile n. 4765, del 3 aprile 2002, rel. Luccioli] rejeitou recurso do pai de Marco e confirmou decisão ditada pela "Corte d'Appello di Napoli", pela qual foi o pai obrigado a pagar ao filho, de 29 anos de idade e "laureato em giurisprudenza", a prestação mensal de 1.500.000 di lire; o principal motivo da sentença, segundo consta na "sezione famiglia", de Legge e Giustizia [responsabilidade de Domenico d'Amati, http://www.legge-e-giustizia.it/2002], resultou da combinação de dois fatores: a total falta de culpa do rapaz quanto a tentativa de independência e a potencialidade econômica do pai, que não poderia deixar de contribuir para que o filho alcançasse projeção "compatibile con le condizione economiche della famiglia".
Na França, por conta do art. 203 do Code Civil [que impõe aos genitores uma obrigação d'entretien] a doutrina e a jurisprudência estabeleceram que mesmo após a maioridade, a obrigação persiste, se os filhos têm necessidade para a continuação de seus estudos superiores, advertindo-se, contudo, que a regra não permite aos filhos serem estudantes por toda sua vida às custas de seus pais.
  
      
    5 Os Filhos Maiores Estudantes e a Jurisprudência que lhes Reconhece Direitos aos     Alimentos   
Não me arrependo de ter seguido a intuição ao prever a litigiosidade entre pais e filhos maiores sobre alimentos, tanto que mencionei o seguinte: "A redução da idade para que a pessoa se torne capacitada para os atos da vida civil, para 18 anos (art. 5º), promete esquentar as relações econômicas entre pais e seus filhos crescidos. Extinto o poder familiar (nova designação de pátrio poder), conforme arts. 1.630 e 1.635, III, cessa o dever alimentar. Acontece, no entanto, que o fim da assistência material atinge, em grande escala, o filho em plena fase de preparação para ingresso em universidades ou no início de cursos seqüenciais ou profissionalizantes, quando a dependência econômica se agrava. Para os pais sensíveis ao drama dos filhos e que trabalham para que tenham eles um futuro digno, a manutenção persistirá de forma voluntária até a conclusão da faculdade. Porém, para a família em crise - infelizmente uma realidade cada vez maior em nosso meio - a mudança do Código antecipa o tempo da litigiosidade que somente aconteceria aos vinte e um anos (regime anterior) exatamente porque a falta de amor corta a bolsa-escola, encaminhando os filhos às Varas de Família em busca de prorrogação do vínculo alimentar".
Segismundo Gontijo e seus filhos Juliana e Fernando Gontijo escreveram, no criterioso trabalho de equipe familiar que elaboraram, que "reiterada jurisprudência tem, contudo, afirmado a não cessação da obrigação paterna diante da simples maioridade do filho, determinando a manutenção do encargo até o limite de vinte e quatro anos deste (limite este extraído da legislação sobre o Imposto de Renda), enquanto estiver cursando escola superior, salvo se dispuser de meios próprios para sua manutenção". Acrescenta-se que o TJSP, em julgamento de 19.08.97, deferiu dois salários mínimos para que um rapaz de 21 anos de idade completasse, com a ajuda mensal do pai, o curso de medicina veterinária em Universidade Federal [Ap. 25.653-4/7, in Nova Realidade do Direito de Família, org. Sérgio Couto, COAD-RJ, tomo I, 1998, p. 465]. Também consta do Repertório de Jurisprudência e Doutrina sobre Direito de Família, vol. 3, RT, 1996, p. 285, julgado do TJSP, para garantir a uma estudante de veterinária a continuidade do recebimento de pensão de 3 salários mínimos, para cobertura dos "custos altíssimos dos estudos" [Ap. 204.078-1, Des. Gonzaga Franceschini, j. 09.08.94].
O Min. do STF, Cezar Peluso, quando Des. do TJSP, escreveu o seguinte sobre essa diretriz [AI. 262.473-4/4, j. 25.02.03, in RT 814/221]: "E é esta, deveras, postura jurisprudencial, adotada sobretudo nos casos paradigmáticos em que a maioridade encontra o filho credor preste a cursar ou já então cursando estabelecimento de ensino superior, sem possibilidade de emprego remunerado, em horário compatível com as exigências escolares". Francisco José Cahali aplaude essa orientação, como sendo a melhor e afirma que a referência de que a pensão, do art. 1.694, do CC, deve ser fixada "inclusive para atender às necessidades de sua educação", declara a subsistência da obrigação após a maioridade.  
Para se ter idéia da magnitude dessa solução, basta conferir a experiência vivenciada pelo universitário, de 23 anos, que se encontrava no último ano do curso noturno de Comunicação Social, com habilitação em Publicidade e Propaganda e que, no período vespertino, trabalhava em regime de estágio em empresa do ramo de comunicação, com remuneração de R$ 516,00. A mensalidade escolar era de R$ 414,00. Não existe orçamento milagroso que permita ao estudante concluir o curso que tanto almeja e que certamente vai lhe permitir sucesso na própria firma onde estagia; foi para que não se interrompesse importante etapa da vida desse jovem que o TJSP, em julgamento de 14.05.02, condenou o pai dele ao pagamento de pensão de um salário mínimo [Ap. 224.121.4/0, Des. Ruiter Oliva, in RT 805/230]. Na sessão da 4ª Câmara de Direito Privado do dia 14.12.06, o TJSP reafirmou esse enunciado ao determinar que o pai pagasse metade da mensalidade do curso de Medicina Veterinária, devido a estar empenhado com outra filha maior para o mesmo fim, enfatizando que o "pai não se desliga da vida do filho pelo advento da maioridade civil, devendo, por razões de solidariedade familiar, contribuir para que a graduação se complete" [Ap. 471.820-4/8, Des. Ênio Santarelli Zuliani, in Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, vol. 16, p. 134].
O TJRS [Ap. 70006854384, DOERS 07.11.03, Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, in RBDF - Síntese, nº 23, p. 108, verbete nº 2.302], admitiu que o pai deveria continuar prestando alimentos para que uma filha "esforçada, que concluiu o curso universitário com 21 anos de idade, progredisse em seus estudos e terminasse a pós-graduação lato sensu". A Corte gaúcha emitiu outra decisão significativa ao impor ao pai de recém laureado do Curso de Direito, que pagasse pensão apesar da maioridade e do fato de estar convivendo maritalmente com uma mulher, "a fim de custear o curso preparatório para o exame da OAB/RS, bem como freqüentar a Ajuris [Associação dos Juízes do Rio Grande de Sul e que ministra cursos de aperfeiçoamento] para melhor enfrentar o mercado de trabalho" [AI 700011221118, Des. Antônio Carlos Stangler Pereira, DORS 30.08.02, in RBDF - Síntese, vol. 13, p. 126, verbete nº 1362].
Os filhos maiores próximos da graduação e que necessitam de auxílio financeiro para esse mister, não estão ao desabrigo da lei, embora a legislação não lhes destine uma regra específica para salvaguarda dessa dificuldade material extraordinária. E não estão porque os Juízes, cientes de que na área do Direito de Família se exige ainda mais a incidência das máximas de experiência [art. 335, do CPC], construíram uma rede de julgados que favorecem a tese de prorrogação do dever alimentar na adultice da prole carente, sem dúvida uma resposta jurisdicional à altura dos predicamentos da dignidade humana e da entidade familiar solidária e justa. Afinal, se a família é a base da sociedade, nada melhor do que aplicar o princípio da solidariedade livre e justa, que é objetivo fundamental da CF [art. 3º, I], para unificar pais e filhos nesse grande projeto.
Os precedentes são valiosos subsídios para a boa hermenêutica, embora sem a força vinculante, enfatizou o Professor José Rogério Cruz e Tucci, em dissertação concluída antes da Reforma Constitucional nº 45/04 27. Os precedentes das Cortes Estaduais que admitiram a continuidade da prestação alimentícia não sofreram, no STJ, censura. Cumpre informar que a eminente Advogada, Regina Beatriz Tavares da Silva, defensora da continuidade do dever de prestar alimentos para fins educacionais, sugeriu a inclusão de um parágrafo no art. 1.694, que resolve o problema: "A obrigação de prestar alimentos entre parentes independe de ter cessado a menoridade, se comprovado que o alimentando não tem rendimentos ou meios próprios de subsistência, necessitando de recursos, especialmente para sua educação". A proposta consta do PL nº 6.960/02, apresentado pelo Deputado Ricardo Fiuza.
  
      
    5.1 Os Pressupostos, os Limites e a Questão da Possibilidade dos Pais   
Eduardo de Oliveira Leite anotou que a falta de parâmetros sustentáveis da necessidade alimentar é a responsável pelas petições iniciais que não identificam o quantum preciso para atender às expectativas dos postulantes, gerando pretensões absurdas e contrapropostas iníquas, o que em nada auxilia na solução. Para o ilustre Advogado a "situação poderia ser tranqüilamente revertida (com vantagens para as partes) se todos os pedidos de alimentos correspondessem, rigorosamente, às reais necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada".
Considerando que o pressuposto da verba alimentar é de natureza dúplice, ou seja, combinando o fator indigência de quem postula ao da capacidade contributiva do provedor, fica evidenciado que a presença desse binômio é muito mais exigida na constituição da obrigação que extrapola o vínculo convencional. Assim, somente será legítimo prolongar o dever de os pais, ou eventualmente os avós, darem o sustento aos filhos e netos maiores enquanto estudantes, quando se provar que os prestadores são economicamente hábeis ao cumprimento da missão de abastecimento, sem prejuízo de suas condições mínimas de sobrevivência. Essa ponderação, que é obrigatória no arbitramento do quantum alimentar [art. 1.694, § 1º, do CC], recrudesce no momento de avaliar a expressão monetária da bolsa de capacitação profissional do filho maior. Não custa lembrar da advertência de Silvio Rodrigues, no sentido de que "para fixação de alimentos deve ter em vista os rendimentos mensais do alimentante e não o valor dos seus bens", sabido que "que não se pode exigir que o alimentante proceda à venda de seu acervo, ou venha a dissipar sua fazenda, para proporcionar aos alimentandos o desfrute de uma situação de fausto, ainda que estes, no passado, houvessem gozado de tais regalias".
Nesses casos, Juiz encarregado de processar o pedido, na forma da Lei nº 5.478/68, ou como incidente que visa prorrogar a pensão que vigorava na menoridade, não pode dispensar a prova pré-constituída dos gastos com instrução, exigindo os comprovantes correlatos como documentos essenciais [art. 283, do CPC]. São boletos de mensalidades, quando se tratar de curso em faculdade ou escola particular, listas de material didático, recibos do albergue, pensão ou cota da república e uma lista com itens típicos da vida estudantil, para que o Judiciário possa criar uma base referencial para fixação do valor alimentar ajustado aos padrões sociais dos envolvidos.
O autor que recusar a apresentação dessa prova, negligenciando o dever de emenda previsto no art. 284, do CPC, merece sentença de indeferimento da inicial por impossibilidade jurídica do pedido [art. 267, I e VI, do CPC], visto que a falta dessa documentação representa o mesmo que não provar que o interessado encontra-se matriculado em curso superior ou profissionalizante. Nesse caso, não há, no sistema jurídico, regra que obrigue o pai a pagar pensão mensal, se o numerário não está sendo destinado para instrução ou capacitação técnica a um ofício rentável. Se, eventualmente, a inépcia vencer o exame preliminar do Juízo, a sentença de mérito será, necessariamente, de rejeição do pedido de alimentos, tal como declarou o STJ, ao julgar o REsp 149.362 RS, DJ de 12.04.04, Ministro Barros Monteiro [Informativo ADV 31/04, da COAD, p. 445, pesquisa 96/04]: "Alimentos. Filho maior. Alegação de ser estudante universitário - O fato de se tratar de um estudante universitário não é, por si só, o suficiente para justificar o dever do pai de prestar-lhe alimentos. Necessidade do filho não demonstrada no caso".
O rigor explica-se em função da própria estrutura da obrigação complementar que se impõe aos pais ou avós, qual seja, a de solidariedade familiar, que é um valor recíproco. Se a ordem jurídica, pela jurisprudência, construiu o enunciado que obriga pagar pensão para filhos maiores, estudantes, é imprescindível, por questões de moralidade, que o filho que se candidata como credor dessa prestação suplementar prove, previamente, a sua condição de universitário dependente de auxílio material, pois, caso contrário, os deveres entre pais e filhos se eternizam para perplexidade dos membros da sociedade, que não constituíram família para isso, mas, sim, para formarem homens livres e donos de seus destinos e patrimônios.
Uma vez provada a real necessidade do filho estudante, o Juiz haverá de pesquisar a possibilidade do provedor. Existem certos cursos universitários que são exageradamente onerosos, permitindo acesso a pouquíssimos privilegiados. Consta que algumas faculdades particulares de medicina cobram mensalidade que chegam próximo ao valor correspondente a 10 [dez] salários mínimos, de modo que, se o filho ingressar em uma dessas, não poderá exigir que o pai, que tem sobre si o encargo de prover a família com salário mensal de sete mil reais, ao pagamento do custo integral. Isso é fora de cogitação, porque seria impor sacrifício extremado ao genitor; permite-se, no máximo, estabelecer um dever parcial [como de 50% da mensalidade], recomendando que o filho recorra ao financiamento universitário para cobrir a outra metade.
Confia-se que os juízes saberão se conduzir seguindo conselhos de experientes Magistrados, como o Des. Aniceto Lopes Aliende, do TJSP, que recomendou: "Por isso mesmo, no processamento que conduz ao arbitramento da pensão alimentícia, exige-se do juiz uma deliberação que reúna ponderação e decisão, com indispensável uso da parcela de autoridade que se convencionou denominar de prudente arbítrio, à semelhança das tomadas pelo bonus pater familias. Já na própria condução do processo, a firmeza e a serenidade terão que evitar que as partes enveredem pelo campo de inúteis e vexatórias retaliações pessoais. Desnecessário ressaltar, no tema, a inestimável cooperação que prestam os bons advogados e promotores públicos".
Os alimentos que se fornecem visando à graduação do filho em ensino universitário ou para que ele domine a arte de um ofício que reclame apuração técnica profissionalizante são de natureza civil e espelham-se na condição social dos envolvidos. Portanto, não é permitido que os pais, bem sucedidos em uma profissão liberal, queiram destinar parcimoniosa parcela financeira que mal dá para o filho concluir um curso de curta duração e que permitirá obter uma colocação de serviçal bem treinado; se o filho possui potencial para seguir a mesma carreira paterna, não existe motivo justo para recusa do pai quanto ao fornecimento da prestação ajustada a esse projeto. Lembrem-se os Magistrados de que Planiol e Ripert advertiam que "la miseria nos es igual para todos".
Normalmente, as separações e os divórcios estabelecem abismos na relação entre pais e filhos, o que termina prejudicando a salutar aproximação que ajuda a despertar o sentido vocacional adormecido do filho que se prepara para ingresso na universidade. Nessas hipóteses e mesmo quando a assiduidade conspira para uma velada influência paterna, os pais não estão autorizados a interferir na triagem que o vestibulando realiza com plena soberania, como se o fato de estarem obrigados a pagar a mensalidade da faculdade outorgasse o superdireito de eleger, para alguém, a sua futura profissão e o seu destino. Não serão raras as situações em que os pais, desconfiados de má escolha dos filhos, resistam ao comando jurisdicional para pagar mensalidade de um curso que, para eles, aparece como inutilidade ou como estratégia para prolongar a boa vida estudantil. Se a preocupação dos pais for verdadeira, não tarda para que a farsa apareça para desvendar a fraude moral, o que ocorrerá com comportamento desidioso típico dos alunos relapsos e desinteressados. Convém, pois, que os pais mantenham-se vigilantes e requeiram, periodicamente, investigações por parte dos juízes sobre a assiduidade e aproveitamento curricular de seus filhos, porque essa fiscalização possibilita detectar, com maior brevidade, a inutilidade da prestação, em se comprovando o excesso de faltas ou o aproveitamento pífio daquele que desperdiça uma oportunidade valiosa para seu engrandecimento pessoal.
Isso porque, como se verá no tópico seguinte, há sanção para os abusos que se cometem contra o instituto alimentar criado para instruir e capacitar profissionalmente os filhos maiores. A obrigação de pagar alimentos termina, para os pais, quando o filho finaliza o curso superior e, para efeito de segurança das sentenças que são emitidas para esse fim, institui-se a idade limite de 24 anos, o que se revela adequado devido a ser esse o prazo que a legislação do Imposto de Renda estabelece como limite para desconto por filhos dependentes. A Lei nº 9.250/95, no art. 35, § 1º, autoriza desconto do imposto de renda para quem tem filhos até 24 anos de idade, que estejam cursando estabelecimento de ensino ou escola técnica de segundo grau. O DL 3.000/99 [art. 77, § 1º] e a IN nº 25/96, do Ministério da Fazenda [art. 37, § 1º] repetiram o texto, o que subsidia corretamente as decisões judiciais.
Cumpre, agora, analisar os efeitos de uma ocorrência que tem muito a ver com as dificuldades dos recém-graduados, especificamente na área do Curso de Direito. Os bacharéis nem sempre estão preparados para superar o exame de admissibilidade profissional realizado pela OAB, pelo que incumbe aos pais que financiaram o bacharelato do filho, persistirem no custeio para que ele se prepare de maneira a ser aprovado, pois, se não o fizerem, será incompensável o esforço. Todavia, o que se propõe pesquisar diz respeito a uma outra questão, qual seja, a de os pais serem compelidos ao financiamento de cursos preparatórios para ingresso em carreiras públicas [Magistratura, Ministério Público, Advocacia Geral, Procuradorias Federal, Estadual e Municipal, Delegados de Polícia, etc.].
É fácil confirmar que a maioria dos aprovados em concursos públicos está matriculada ou já foi matriculada nos cursos preparatórios, com turmas anuais e semestrais. Mesmo as faculdades mais bem avaliadas não são capazes de preparar os seus alunos para o difícil exame de ingresso em carreiras jurídicas, pelo que é praticamente obrigatório o aspirante a um cargo público se aprimorar para o desafio que pretende encarar, com as aulas, apostilas, planos e métodos de estudos, dicas de concursos e laboratório de estudos que tais "cursinhos", como são chamadas essas modalidades de serviço, oferecem mediante mensalidade de dois salários mínimos, como custo mensal fixo.
Cabe indagar: os pais se empenham por isso? A resposta deverá ser afirmativa, embora não custe admitir que não se está pretendendo obrigar os pais ao pagamento de cursos de aprimoramento para poucos, como o MBA Gestão de Luxo, para operadores com fluência em inglês e seis anos de experiência em cargos de comando, ao custo de R$ 36.000,00, em dois anos [Revista Veja, edição 1911, de 29.06.05, p. 119]. O curso igual ao do Professor Damásio, de São Paulo, talvez o mais conhecido pelo seu pioneirismo e competência, não é uma superfluidade ou artigo de luxo para quem tem obsessão por fama e dinheiro; faz parte de um kit de sobrevivência do jovem bacharel que não está propenso a enfrentar, de cara, o concorrido exercício da advocacia.
Considerando que esse aprendizado é uma conseqüência obrigatória para que se tenha chance real de aprovação em concurso público, não se permite subtrair do filho recém-graduado no curso de Direito a oportunidade de, realizando-o, se preparar de maneira a concorrer, em igualdade de condições, com os demais participantes. Essa necessidade, que passou a ser requisito vital de concorrência racional em exames rigorosos, integra o currículo básico de formação do profissional do Direito, não sendo simples opção descartável para esse tipo de diretriz a ser seguida. Portanto, se os pais possuem capacidade econômica, são obrigados a complementar, por um ano, os custos dos filhos que se matriculam nos cursos preparatórios, em tempo integral, proporcionando-lhes meios de acesso às carreiras jurídicas do serviço público.
O que se afirmou no parágrafo supra aplica-se ao campo da Medicina, quando o estudante está praticamente obrigado a realizar a conhecida "residência médica", que é considerada pela Lei nº 6.932/81, uma modalidade de "pós-graduação", tanto que considerado por ilustre doutrinador como "aperfeiçoamento profissional". Os pais continuam compromissados com seus filhos durante os dois anos de duração desse estágio profissionalizante de remuneração insuficiente para a independência econômica do médico iniciante.
Uma outra questão que pode chamar a atenção dos juízes encarregados dessas ações de alimentos diz respeito ao fato de o pretendente, sendo estudante, viver com "alguém". Poderá ser casado ou simplesmente parceiro, não se descartando a ocorrência de relações homossexuais. Foram citados julgados que não consideraram o casamento e a união estável de universitários como óbices à constituição do dever de os pais manterem a ajuda para que os filhos concluam seus cursos. Não encontrei razões para discordar dessa diretriz que favorece os filhos destinatários de pensão alimentícia, embora residam em repúblicas de estudantes ou em unidades habitacionais que dividem com parceiros, pois o que vale, para decidir, é a análise do "estado de necessidade", expressão que Silvio Rodrigues escolheu para definir que "o alimentando não possui bens ou quaisquer outros recursos materiais e simultaneamente não pode exercer uma atividade lucrativa que lhe permita prover sua mantença".
  
   
    5.2 Sanção ao Comportamento Desidioso ou Negligente do Alimentando   
Felizes são os pais de filhos bem encaminhados e que podem desfrutar das delícias do dever cumprido. A Psicóloga Rosely Sayão escreveu que os pais "são um anteparo diante das vicissitudes da existência humana; são eles que assumem e compartilham as responsabilidades com os filhos e deixam a eles o desfrute do viver", finalizando: "Não dá para culpar os pais de um adulto pelos caminhos que ele decide trilhar. Ao deixar a adolescência, o ser humano torna-se livre para optar, para se cuidar. Além do mais, a educação que os filhos recebem dos pais não os vacina contra nenhum caminho da vida. Aponta, apenas, os rumos que os pais consideram dignos de viver. E os pais erram muitas vezes" . Existem, no entanto, pedras irremovíveis nesse caminho.
João Claudino de Oliveira e Cruz chegou a afirmar, no capítulo em que abordou a questão do dever de se incluírem nas despesas de instrução dos filhos, gastos com aulas de música e de idiomas, que o alimentante deverá acompanhar o desenvolvimento dos estudos, anotando o êxito ou fracasso "de tudo fazendo ciente o juiz, podendo mesmo, se for inútil a sua contribuição, solicitar exoneração dos encargos extraordinários".
Foi observado que o juiz deve respeitar a liberdade do filho na seleção de seu curso acadêmico, eliminando o poder arbitrário dos pais que tendem a ditar regras pessoais de conduta, como se estudantes universitários fossem crianças desprovidas de raciocínio ou vontade própria. Embora não se ignore o dever de as pessoas se auto-sustentarem, exercitando trabalho honesto e digno o mais rápido possível, isso nem sempre ocorre com êxito, devido a existir um mercado cada mais exigente quanto ao apuro técnico. A concorrência se vence com instrução, o que fez legalizar a jurisprudência que prolonga o encargo alimentar para que os filhos se instruam adequadamente para esse mister.
Não custa lembrar a advertência doutrinária no sentido de os juízes, quando do arbitramento de alimentos, não adotarem quantias inexpressivas para o alimentante originário de família abastada, evitando encaminhá-lo para um trabalho braçal ou "de enxada", como lembrou Carvalho Santos 38; convém tomar em conta a posição social para fixar um quantum que possibilitará, no mínimo, manter o status, evitando a decadência que em nada contribuiu para o interesse dos personagens. Contudo, é preciso cautela para não incentivar a vadiagem ou a infantilidade de se pretender ser, por mais tempo, adolescente irreverente e irresponsável, até porque "os alimentos foram visualizados pelo legislador com o objetivo específico de auxiliar a quem deles necessite e não, certamente, com qualquer possibilidade de fomentar a ociosidade" .
O Curso de Direito, por exemplo, é oferecido em jornadas matutinas e noturnas, sendo que algumas faculdades criaram o período integral para o diurno, exigindo que os alunos ocupem o tempo livre com pesquisas e estudos direcionados. Resulta que os acadêmicos podem trabalhar quando não optarem pelo tempo integral, quer freqüentando aulas à noite ou nas manhãs, pelo que lhes cabe, quando pleitearem alimentos dos pais para a continuidade da graduação, demonstrar que trabalham ou estagiam de forma remunerada nas horas que sobram das aulas, por ser dever moral do estudante subsidiado na maioridade cooperar para que o encargo extra dos alimentantes se atenue. O TJSP decidiu [Ap. 113.481-4/8, j. 28.09.99, Des. Ênio Santarelli Zuliani, in RT 772/216]: "A jurisprudência que estica o dever alimentar para além da maioridade do filho que cursa escola superior ou profissionalizante, estrutura-se na mais nobre das causas familiares, a solidariedade do sentido da vida (art. 1º, III, da CF). A magnitude da obrigação não se coaduna com abusos, como o que pratica estudante do curso noturno de direito que, com mensalidades garantidas pela pensão de avó materna, com alimentação e vestuário oferecidos pela genitora, exige do pai, sem demonstrar disposição para o labor, uma verba que emprego de meio período diurno poderia proporcionar".
O pai, nesse caso, foi exonerado do dever de prestar alimentos ao filho maior. Evidente que os juízes que procuram Justiça em suas decisões, evitam radicalismos na interpretação dessas nuances estudantis, porque ortodoxia, em assunto doméstico, constitui risco de estabelecimento de regras de conduta impróprias para a comunidade e para o próprio Direito. Assim, poderá ser afirmado que o aluno do curso noturno de Direito que apresenta aproveitamento espetacular nas provas, que dedica o seu tempo de forma exemplar e fora do comum ao estudo doutrinário e de interpretação jurisprudencial, merece decisão especial, apesar de não trabalhar ou estagiar meio período, competindo arbitrar o quantum, de modo a permitir a aquisição de livros e revistas jurídicas, ferramenta indispensável ao profissional competente.
Em ação de alimentos na qual a filha, maior, pretendia mesada paterna para continuar matriculada no Curso de Direito, o Tribunal examinou a ficha de avaliação semestral, confirmando que ela fora reprovada em 80% das matérias ministradas, além de cometer excessivo número de faltas, o que, certamente, justificaria retenção por baixa freqüência. Resultado: considerou-se situação de abuso do direito de pleitear alimentos, exonerando o pai da prestação exigida [AgIn 259.701-4/9, j. 05.11.02, Des. Ênio Santarelli Zuliani, in Informativo ADV 12/2003, COAD, p. 188, verbete nº 105.188].
Também foi motivo para exonerar o pai da prestação suplementar, a desídia do estudante universitário, quando foi anotado [TJSP, Ap. 225.777.4/0, j. em 09.04.02, Des. Ênio Santarelli Zuliani]: "A jurisprudência que prolonga o dever alimentar para que os filhos emancipados concluam curso universitário não se destina aos estudantes relapsos, indisciplinados e seguidamente reprovados, por constituir verdadeiro abuso da relação familiar".
Embora os juízes não tenham atribuição para controlar notas e assiduidade de estudantes, a cognição dessas ações que buscam prolongar o vínculo material entre pais e filhos maiores, para fins de conclusão de cursos universitários e profissionalizantes, não deixa de constituir uma ótima oportunidade para que o Judiciário contribua para o bom êxito da proposta, exercendo constante averiguação da performance curricular do alimentando, não só para coibir abusos como para estimular perseverança e correto aproveitamento dessa bolsa que oportuniza chance de progresso profissional.
Tomei conhecimento de que uma pessoa estava sofrendo execução, com ameaça de prisão [arts. 733, § 1º, do CPC e 5º, LXVII, da CF], porque não quitara prestações devidas à filha maior que obtivera alimentos para estudar, quando o Juiz da causa requisitou informações da Faculdade que a moça afirmara ter freqüentado para concluir determinado curso. A resposta que chegou foi no sentido de que a estudante havia trancado matrícula há dois anos, por faltas, uma constatação reveladora da inexistência de causa justa para que se mantivesse o dever e a própria obrigação do pai de satisfazer o encargo. As dívidas acumuladas e que estavam executadas foram declaradas, com inteira razão, inexigíveis, livrando-se o genitor da custódia civil.
É permitido agir de ofício em hipóteses semelhantes [arts. 125, III, e 130, do CPC], evitando que a execução de dívida alimentícia se transforme em instrumento de represália pelos desencantos da vida ou vingança injusta aos pais que seguiram felizes em suas vidas. Outra situação digna de cuidadosa reflexão diz respeito à possível exoneração da obrigação complementar quando o alimentando resolve trancar matrícula na disciplina que escolheu, para cursar outra para a qual se sente mais vocacionado.
Nem sempre essa instabilidade reflete má-fé do estudante que não descobriu seu verdadeiro ideal. Normalmente essas transferências são permitidas com aproveitamento curricular, o que, em tese, não representa prejuízo material para o pai que está sendo obrigado a custear a formação do filho universitário. Resulta que é próprio da liberdade humana alterar as metas pedagógicas, o que, em tese, não constitui causa para dispensar os responsáveis pela manutenção do encargo financeiro que permitirá concluir a instrução. Evidente que não se poderá tolerar mudança de plano depois de transposta metade do curso escolhido, quando a transferência prejudica o currículo anterior, não só porque se cuida de serôdio arrependimento, como implica prejuízo material para o provedor, que, nessa situação, não poderá sofrer com a inconstância dos filhos, repetindo pagamentos. Preferível obrigar o filho a concluir aquilo que começou e, profissionalizado, financie com seu trabalho, a outra formação que programou como sua verdadeira meta.
Importa sublinhar, para que esse parágrafo se feche com coerência, que as pedras que obstaculizam o caminho da formatura serão sempre prejudiciais ao alimentando, quando for sua a responsabilidade pelo aparecimento delas ou quando for negligenciada a remoção que libera a passagem para o fim da linha. O vínculo alimentar para filhos maiores é excepcional, exigindo transparência e equivalência de deveres e obrigações. O mau uso da pensão complementar é motivo para se dar como perdido o direito de exigir, do pai ou avós, a complementação alimentar necessária para conclusão universitária, por ser inadmissível financiar projetos inúteis ou devaneios de alunos medíocres. Esse preceito, que se aplica na Itália 41 e na França 42, serve para o nosso Direito, que repudia o abuso do direito [art. 187, do CC] e a prática de atividades que estimulam o enriquecimento indevido [art. 884, do CC].
Cumpre registrar que o desamor entre familiares separados pelo divórcio, por afastamentos produzidos pelo divórcio e que animam sentimentos ruins, não exonera o pai, ainda que ressentido com o descaso do filho, de prestar alimentos para que cole grau universitário. A ingratidão, como já se afirmava Lafayette, sempre foi motivo de cessação da obrigação alimentar, desde que capaz de deserdá-lo 43. É justamente essa rigidez quanto às hipóteses legais para deserdação que autoriza concluir que desavenças geradas pela indiferença entre parentes [que não é motivo para deserdação] não importam para a continuidade do projeto do filho, até porque o final feliz desse empreendimento poderá ser decisivo para uma reaproximação ou, no mínimo, reconhecimento da solidariedade que ajuda eliminar as mágoas acumuladas.
  
   
    5.3 Aspectos Procedimentais Relacionados com a Exoneração pela Maioridade   
As relações litigiosas resolvem-se por intermédio do processo, que é o instrumento pelo qual o Juiz emite decisões para serem fielmente executadas. O processo civil, cuja finalidade "é conhecer a verdade, e facilitar às partes os meios de deduzirem seus direitos e defesa, para que o julgamento seja proferido com acerto e justiça", atua, no setor de alimentos, estigmatizado pela noção de celeridade consentânea com a necessidade imediata dos postulantes. Não somente o processar deverá ser célere, como facilitadas serão sempre as ordens executórias, quer seja mediante desconto em folhas de pagamento do alimentante [art. 734, do CPC] ou retendo alugueres e outros rendimentos do devedor [art. 17, da Lei nº 5.478/68]. E isso tudo sem prejuízo da coerção ao adimplemento voluntário imposta pela ameaça de prisão civil [art. 5º, LXVII, da CF], medida imprescindível, até porque a "obrigação alimentar é uma dívida sagrada", como afirmou Ripert, que precisa ser cumprida ainda que custe restrição da liberdade do devedor.
Quando a pensão alimentícia destinada aos menores é constituída por uma decisão judicial [seja ela emitida em processo contencioso ou de caráter homologatório, como ocorre nos divórcios e separações consensuais], existe, pela lei, um termo ad quem, qual seja, a maioridade do beneficiário. Nesse contexto, tornou-se prática comum os pais presentearem os filhos que completam dezoito anos, protocolizando, na ação em que os alimentos foram fixados, requerimento para que o Juiz declare a extinção do dever alimentar e para que cessem os descontos ou as cobranças. É certo que não há de se exigir do alimentante o ajuizamento de uma ação específica para obter a exoneração da pensão prestada ao filho maior, porque essa exigência representaria um excesso de formalismo, incompatível com os princípios do processo civil efetivo previsto no art. 5º, XXXV, da CF. Portanto, nada obsta que se aproveite do instrumental já formado [a ação de alimentos, de divórcio, etc.] para resolver, incidentalmente, a questão do final ou da sobrevida da obrigação.
Ocorre que se difundiu, com equívoco, a cultura de que caberia ao Juiz declarar, sem instalar o contraditório exigido pelo art. 5º, LV, da CF, a extinção e a conseqüente cessação dos descontos, quando o alimentante é servidor sujeito ao comando do art. 734, do CPC. Se tal providência for tomada por um Juiz desatento aos interesses do alimentando, poderá provocar uma ruptura nos projetos educacionais do filho que, ao atingir a maioridade, absorve, com inegáveis prejuízos, a interrupção do pagamento da pensão alimentícia que lhe garante a educação. Essa ruptura que a açodada decisão provoca é, sem dúvida, um mal maior, risco que se elimina agindo com cautela ou sem pressa. A prudência judiciária foi lembrada por Recaséns Siches 46, como um valor relevante para "evitar que la resolución aparentemente satisfactoria de un problema no se convierta en fuente de ulteriores problemas más graves".
Daí ser escorreita a advertência para não se deferir, de imediato, a extinção requerida pelos pais apressados em extinguir o que talvez não seja extinguível; a lógica jurídica determina que se providencie a citação [se não estiver o interessado representado] ou sua intimação para que se manifeste sobre essa postulação paterna, oportunidade em que o juiz decidirá qual o direito predominante [princípio da razoabilidade].
Foi o que aconteceu na relação entre um pai, Procurador do Estado, e o filho, aluno da Faculdade de Direito particular, quando o TJSP concluiu, analisando o contraditório que se instalou, pela prorrogação da pensão até o bacharelato. O alimentante, inconformado, interpôs recurso especial, e o STJ não o conheceu [REsp 306.791 SP, DJ de 26.08.02, Ministro Aldir Passarinho Júnior], com a seguinte ementa: "Se o pedido de cancelamento da pensão, formulado pelo pai alimentante no bojo dos autos do processo de separação consensual, em face da maioridade do filho, foi dado processamento litigioso, com observância de contraditório e colheita de provas, não há efeito prático, senão propósito procrastinatório, em perquirir, a tal altura, depois de apreciada profundamente a controvérsia, qual a ação cabível e a quem pertencia a sua iniciativa, se ao filho maior em ajuizá-la para postular a manutenção, ou ao genitor alimentante em pedir exoneração".
O cancelamento automático da pensão alimentícia, pela simples maioridade, sem que se ouça o alimentando, é uma medida perigosa para o Direito consolidado pela jurisprudência construtiva da bolsa universitária. Entre essa solução, que vai exigir do filho maior o ajuizamento de uma ação para que se restabeleça a antiga prestação ou outra que atende suas reais necessidades, é muito mais salutar seguir a praxe de se resolver incidentalmente, experiência que conta com o apoio de julgados respeitados do STJ, como o que foi relatado pelo Ministro Ruy Rosado de Aguiar [REsp 347.010 SP, 10.12.03] e pela Ministra Nancy Andrighi [REsp 608371-MG, DJ de 09.05.05, p. 396].
Josserand afirmou que "la obligación de alimentos no desaparece ni se atenúa de pleno derecho y automaticamente; és preciso una decisión judicial". Indispensável, portanto, que se declare a extinção por sentença, o que, por conseqüência, exige criação de contraditório. Permite-se, portanto, uma mensagem: juízes, não declarem a extinção da obrigação alimentar, pela maioridade do destinatário, sem ouvi-lo; observem a diretriz do colendo STJ.
  
      
    5.3.1 Tutela Antecipada nas Ações dos Filhos Maiores   
Em todas as ações se permite que o juiz antecipe a tutela almejada pelo autor, desde que ele apresente direito verossímil, confirmado por provas inequívocas [art. 273, do CPC]. Essa foi uma estratégia que se introduziu no sistema processual para desagravar o litigante que se apresenta ao Estado-Juiz ostentando pretensão quase infalível e que se prejudicaria com o retardamento da sentença, um mal crônico do processo convencional. Resulta que o Juiz, no intróito da lide, antevendo a previsibilidade da sentença favorável, autoriza a sua execução provisória, evitando o periculum in mora [dano irreparável].
O sempre lembrado Edgard de Moura Bittencourt afirmava ser "dispensável" encarecer a urgência com que deve ser dirimida em juízo a pretensão do credor de alimentos 49. Teixeira de Freitas ao criar o que talvez tenha sido o primeiro roteiro de leis, não esqueceu de mencionar que nas Ordenações, livro 3º, T. 18, § 6º, já constava que as "questões de alimentos podem ser tratadas durante as férias". Não é por outra razão que se deferem "alimentos provisórios" [art. 4º, da Lei nº 5.478/68], devendo o recurso que se interpõe contra a sentença que concede alimentos ser processado sem o efeito suspensivo [art. 520, II, do CPC]. O requisito da urgência está implícito nas ações alimentícias.
Os filhos maiores estudantes são titulares de um direito verossímil quando postulam, dos pais, verba alimentar que permita a eles concluir a universidade, terminar um ensino profissionalizante ou freqüentar cursos preparatórios para concursos de admissibilidade em determinadas carreiras. Embora essa pretensão não decorra de uma norma legal específica, foi recepcionada pela jurisprudência dominante, apoiada na melhor conjugação dos arts. 1.694 e 1.695, do CC, e no fato de ser o direito de alimentos de caráter absoluto no direito de família, conforme anotou Roberto de Ruggiero.
No caso de o pretendente apresentar as provas razoáveis de sua necessidade e da premência da prestação, é de se deferir a antecipação de tutela para que o autor possa desfrutar, com maior rapidez, das vantagens do subsídio financeiro a ser fornecido pelos pais ou avós, investindo o numerário no recolhimento de taxas de matrícula, pagar despesas de acomodações, para que, suprindo os gastos que, por não pagamento, poderiam criar impasses da continuidade educacional.
  
      
    6 Conclusão   
A força da jurisprudência é avassaladora quando atende reivindicações justas, sendo que ela agiu sobre o prolongamento da obrigação de prestar alimentos após a maioridade do filho estudante, por representar uma aspiração legítima de uma sociedade solidária, embrionária de futura norma do Código Civil. Isso porque, na proposta do Projeto de Lei nº 6.960/00, é de se incluir o § 3º, do art. 1.694, uma regra com a seguinte redação: "A obrigação de prestar alimentos entre parentes independe de ter cessado a menoridade, se comprovado que o alimentando não tem rendimentos ou meios próprios de subsistência, necessitando de recursos, especialmente para a sua educação". O texto que se finaliza não pretende introduzir novidades na literatura jurídica ao dispor que a obrigação de se continuar prestando alimentos aos filhos maiores, para que eles completem a instrução e a habilitação específica, decorre da obrigação natural de os familiares concederem chance real para que os seus jovens membros se completem e realizem seus sonhos. Embora sem expressa referência a esse objetivo que a sociedade moderna obriga a todos, a antiga doutrina já alertava para o caráter público [leia-se serviço de cidadania] do instituto dos alimentos, como Estevam de Almeida, que depois de definir "alimentos como prestações feitas para que quem as recebe possa subsistir, isto é, manter sua existência, realizar o direito à vida, tanto a física (sustentação do corpo), como a intelectual e moral (cultivo e educação do espírito, do ser racional), proclamou: "Tem ela [a obrigação alimentar] seu fundamento no direito à vida, pois, tendo o homem que cumprir seu destino, a realização deste exige, como condição primária, a própria existência e a possibilidade de conservá-la".
O Juiz Neyton Fantoni Júnior esclareceu que a "decisão judicial implica sentimento do justo pelo magistrado, quando então os princípios e valores constitucionais se colocam como verdadeiros termômetros das constantes mutações e exigências da vida social. Neste momento, desponta o conteúdo educativo das sentenças, estabelecendo parâmetros da vida civilizada e aprendizado para o respeito às diferenças e à dignidade humana". Os Tribunais provaram que não abandonaram os estudantes interessados em concluir seus cursos universitários, participando, com julgados humanitários e que venceram resistências paternas injustas, na formação de uma consciência nacional em favor da conquista da cidadania produtiva, com a virtude de ter reprimido alunos desidiosos e relapsos que, ao valorizarem a mediocridade como conduta de vida, perderam a chance de gravarem biografias diferenciadas que somente a instrução concluída proporciona. A jurisprudência, ao determinar que os pais forneçam meios para a continuação dos estudos dos filhos, não pretendeu indicar a eles onde está o baú do dinheiro, mas, sim, indicar uma janela de oportunidade que, bem aproveitada, representa o mapa da grandeza pessoal, chave da felicidade. Sonhar, até os sonhos dos outros, não faz mal, porque, como afirmou o poeta Fernando Pessoa, in O peso de haver o mundo:

"QUERO, terei -
Se não aqui,
Noutro lugar que inda não sei.
Nada perdi.
Tudo serei".
  
      
    7 Bibliografia   
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Comentários

  1. Artigo muito bem desenvolvido. Parabéns.

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  2. Muito bom! Interessantíssimo, o artigo.

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  3. Excelente publicação muito esclarecedora para pais e filhos, que o amor e amizade permaneça entre eles, pois filhos e pais jamais serão ex-pai ou ex-filho.

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